Capítulo 29: Ele está seguro.

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Soltei o ar com força quando meu rosto saiu da água, tendo a sensação de que algo estava esmagando meu peito. Esmagando meu corpo todo. Nadei até as pedras, saindo da água com um gosto amargo na boca, tentando apagar os últimos minutos da minha cabeça. A caverna continuava vazia, apesar da minha mente estar uma bagunça naquele momento.

Olhei para dentro do lago quando a cabeça de Raven surgiu, antes de ele nadar até as pedras, a uma distância segura de mim. Meus lábios estavam tremendo, assim como meu corpo, porque agora que estava fora da água, sentia o frio queimando nos meus ossos. Raven não me encarou em momento algum quando caiu da água e se sentou, mas eu podia ver seus olhos vermelhos, tanto pelas lágrimas quando pela raiva.

Ficamos em completo silêncio por alguns instantes, cada um absorvendo aquilo de uma forma diferente. Tinha certeza que aquelas lembranças o machucavam mais do que qualquer sensação ruim que poderia causar em mim. Era a vida dele. Era sua infância. Sempre desejei poder ter tido mais tempo com meus pais, já que sequer tenho lembranças deles. Mas Raven tinha lembranças com sua mãe e elas eram dolorosas. Espinhos perfurando diretamente seu coração.

Raven não era uma pessoa boa, mas também não era uma pessoa totalmente ruim. Acho que em algum momento desse caminho torto, ele simplesmente se perdeu. Não que isso justifique qualquer coisa que ele tenha feito até agora. Não, isso não era uma justificativa. Ele não estava tentando fazer isso. Ele só queria que eu visse seus motivos. E eu o entendia.

Eu sei qual é a sensação de perder a mãe. Mas nada como aquilo. Nada como lutar durante cada segundo da sua infância para salvar a vida dela, vendo-a definhar cada vez mais, enquanto tem alguém poderoso na sua frente que poderia fazer alguma coisa para ajudar, mas escolhe virar as coisas enquanto você implora por qualquer tipo de ajuda.

—Ela morreu dois dias depois, com uma febre tão forte que causou até mesmo dor a ela, porque ela gritou durante uma noite toda, antes de partir. —Raven sussurrou, a voz soando como um sopro no escuro. Olhei na direção dele, vendo-o encarar o chão, parecendo nem mesmo estar respirando. —Até hoje não sei que doença a matou. Eu a enterrei sozinho, em um campo de flores perto da nossa casa, em um buraco que eu mesmo cavei. Era o lugar favorito dela antes de adoecer e foi onde a deixei.

—Eu sinto muito. —Falei, sendo totalmente sincera, antes de passar a mão pela minha bochecha quando uma lágrima solitária escorreu ali, quando pensei naquele garotinho precisando cavar uma cova, com o peso da morte nas suas costas.

—Em algumas noites, não consigo dormir, porque quando fecho os olhos posso vê-la naquele estado. Posso ouvir seus gritos dentro da minha cabeça. —Raven ergueu a cabeça e olhou pra mim. Ainda estava com lágrimas nos olhos, mas a raiva era maior. O rancor guardado desde aquela época. —Você entende, não é? Eles são tratados como divindades, mas sequer se importam com o povo de verdade. Eles viram as costas quando mais precisamos. Eles não merecem nada vindo de nós.

—Podemos fazer as coisas de outro jeito, Raven. —Afirmei, ficando de pé, vendo-o fazer o mesmo. —Não precisa haver uma guerra. Não precisa acontecer mais mortes de inocentes.

—Eu não vou parar, Zaia. —Raven retrucou, balançando a cabeça negativamente, enquanto erguia as mãos para limpar as lágrimas do rosto, com movimentos agressivos. —Não vou parar até que todos os anciões estejam mortos. Não vou parar até livrar o meu povo desses monstros que brincam de deuses

—Raven... —Tentei me aproximar dele, mas ele deu um passo para trás, com aquela raiva envenenando todo seu coração.

—Depois disso, nós vamos unir os dois mundos. Os elementais sempre protegeram essa terra e vão continuar fazendo isso, mas agora sem a influência deles por trás. —Ele ergueu a cabeça, com os lábios tremendo como se não conseguisse conter as próprias emoções. —E quando uma criança lhes implorar por ajuda, nós ajudaremos!

—E a que custo, Raven? Com a morte de várias pessoas pelo caminho? —Questionei, vendo-o fechar os olhos com força, enquanto eu tentava pensar direito sobre tudo aquilo. —Eu entendo a sua raiva. Entendo de verdade. E é por isso que eu digo que podemos fazer diferente.

—Diferente como, Zaia? Contando a eles como os anciãos são criaturas horríveis e insensíveis? Ninguém acreditaria. Ninguém acreditou quando tentei. —Raven negou com a cabeça, engolindo com dificuldade. —E depois eu faria o que? Mostraria minhas lembranças pra todo mundo, para dar a eles um motivo para acreditar em mim? Ou apenas para eles pensarem que é só mais uma mentira minha?

Dessa vez fiquei em silêncio, porque não sabia o que dizer a ele. Raven tinha razão. Ninguém acreditaria se ele simplesmente tentasse contar. Não acreditariam antes e muito menos agora. E mostrar as lembranças a todo mundo seria cruel demais com aquele garoto, mesmo que agora ele tenha crescido. Mas aquilo também não estava certo. Não daquele jeito.

—Volte e avise a eles que a guerra vai começar em breve. —Raven afirmou, antes de levar a mão até o bolso da jaqueta e puxar uma esfera, deixando claro que nosso tempo ali estava acabando. —Ele está bem? Griffin está bem?

—Sim. —Balancei a cabeça, vendo o alívio nos olhos de Raven. —Os elementais estão cuidando dele. Ele está seguro e bem.

—Você precisa do fogo sagrado. —Raven me encarou por um longo momento, enquanto eu franzia a testa ao ouvir aquilo. —Vá até o Castelo dos Deuses e encontre o fogo sagrado. Faça isso e será uma elemental.

A surpresa me paralisou por um momento, dando a Raven a oportunidade para desaparecer dali. Fiquei parada no meio da caverna, encharcada até os ossos, com algo esmagando e torcendo meu coração. Tinha conseguido respostas para perguntas que eu nem mesmo tinha, e agora não tinha ideia do que fazer com essas informações.

[...]

Eu estava encolhida perto do fogo, tentando me aquecer depois de ter trocado todas as minhas roupas. Tínhamos divido um pouco da comida para jantarmos. A noite tinha caído rápido e estávamos no meio de uma floresta. Misty dormia a alguns metros atrás de mim, com sua respiração trazendo um ar gelado até onde eu estava.

—Você está quieta desde que saímos daquela gruta. —Ayla sussurrou, enquanto ouvíamos o som do riacho mais adiante, onde Kylian e Erick tinham ido se banhar. Ayla estava sentada do outro lado do fogo, me encarando por cima das chamas. —Quando vai contar o que aconteceu lá dentro? O que Raven te disse?

—Ele me falou sobre como posso despertar meus poderes. —Falei, vendo Ayla comprimir os lábios, provavelmente notando que eu estava escondendo alguma coisa. —Preciso do fogo sagrado. Preciso ir até ele. Mas antes, acho que precisamos voltar e encontrar os outros. Raven deixou claro que a guerra se aproximava. Nada vai pará-lo.

—Por que ele te disse como despertar seus poderes? —Ayla franziu a testa, como se esse fato a deixasse tão confusa. Talvez antes teria me deixado confusa também, mas depois de tudo que ouvi dele sei porque ele me contou. —Talvez isso seja só um plano dele. Uma armação.

—Vocês acharam que o encontro na Gruta dos Sonhos fosse uma armação também, e no final das contas não era. —Afirmei, vendo-a torcer os lábios em frustração, enquanto eu negava com a cabeça. —Raven não tem plano nenhum. Ele tem um objetivo. Vamos entrar em uma guerra e ele só vai parar quando conseguir o que quer.

—Matar todos os anciãos. —Ayla sussurrou, com um tom de voz hesitante, como se aquela ideia fosse uma loucura. —E sobre o traidor?

—Vamos precisar descobrir quem é por conta própria, já que o Isaac se recusou a nos dizer um nome. —Afirmei, encarando as chamas da fogueira, me perguntando o que mais Isaac sabia e estava escondendo. —Mas até lá, acho melhor mantermos essa informação em segredo. Se o traidor não souber que estamos o procurando, mais fácil será pra ele errar e o pegarmos.

Continua...

As Crônicas de Scott: A Guerra / Vol. 2 Onde histórias criam vida. Descubra agora