A noite tinha caído rápido demais naquele lugar. Ajudei Margo a acender algumas velas, depois de Percy gentilmente se oferecer para fazer a comida. Margo ficou repetindo sobre o quão bem ele cozinhava, como se isso fosse o suficiente para deixá-la ainda mais apaixonada por ele.
—Onde você aprendeu a cozinhar? —Questionei, porque duvidava muito que Percy costumasse ir para a cozinha do Chalé Azul quando ainda morava lá.
—Minha mãe me ensinou. —Percy deu de ombros, me servindo uma segunda vez, enquanto eu abria um sorriso agradecido a ele. A mesa parecia enorme com apenas nós três sentados ao redor dela, mas eu tinha me acostumado rápido com o quão estranha aquela casa parecia sem Aurora. —Andei cozinhando algumas vezes no Acampamento Vertical. É surpreendente pra mim o quanto eles não me julgam por absolutamente nada do que eu faço.
—As pessoas que te julgam são idiotas. —Margo afirmou, levando a mão até a dele para segura-la sobre a mesa. Percy olhou pra ela com uma expressão carinhosa, antes de entrelaçar seus dedos. —Você não é o seu pai e nunca vai ser. E você é um guerreiro mil vezes melhor do que ele.
—Como pode saber isso se nunca o conheceu? —Percy questionou, fazendo Margo apertar os lábios com força, mesmo que aquela fosse uma pergunta despretenciosa. Mas Percy sempre teve o costume de duvidar de si mesmo, por causa do que os outros diziam. E parecia que isso ainda não havia mudado, mesmo com o tempo que ele estava no acampamento.
—Mas eu conheço você e isso é o suficiente para me dar certeza dessas coisas. —Margo afirmou, e eu neguei com a cabeça, sem conseguir parar de sorrir ao observar os dois. Senti uma pontada de inveja também, porque sentia falta de ter aquilo que os dois tinham. Aquele apoio e pertencimento.
—Acho que eu estou sobrando. Talvez fosse melhor eu ir embora. —Tinha falado brincando, mas Margo me olhou de cara feia, como se fosse ficar brava se eu realmente fosse embora. Percy apenas riu, parecendo ter ficado sem graça por eu ter presenciado aquele momento fofo entre os dois. —Ela está certa em tudo que falou, Percy. Acho que o Chalé Azul te impedia de ser o guerreiro que você tinha o potencial para ser. O acampamento te deixou livre pra isso.
—É, e agora talvez o acampamento afunde sem Sky. —Percy afirmou, antes de fazer uma careta e balançar a cabeça negativamente. —Esquece, eu não deveria ter dito isso. É super injusto com o Caio, quando ele está se esforçando para manter aquilo no lugar sem Sky. Mas tem coisas que só Sky é capaz de fazer e é difícil ignorar a falta que ele está fazendo.
—Ele vai voltar. —Falei, vendo Percy me olhar como se não acreditasse muito nisso. —Ele vai voltar, Percy, quando estiver pronto pra isso. Se está difícil pra nós que conhecíamos Aurora como uma elemental, imagine para ele que era filho dela. Acho que eu me quebraria inteira se meu tio morresse.
—Ele deve estar tentando juntar os pedaços que sobrou. —Margo engoliu muito lentamente, dando um gole no vinho que tinha aberto pra nós, no intuito de nos deixar mais leves. —Mas é o que todos estávamos fazendo, não é? Juntando o que sobrou para estarmos prontos para a próxima batalha.
—O que os elementais vão fazer com a questão da poção que tira nossos poderes? —Questionei, porque também não tinha aparecido nas últimas reuniões, sabendo que aquilo só serviria para me questionarem sobre coisas que eu não tinha uma resposta.
—Algumas bruxas já começaram a investigar sobre essa poção, o que ela faz é se conseguimos um antídoto. Não podemos ter nossos poderes roubados de nós mais uma vez. —Margo me encarou, enquanto eu puxava um fiapo daquela magia dentro de mim. Ela tinha voltado lentamente depois de algumas horas, até eu a sentir forte o suficiente para conseguir criar uma pequena esfera de água na palma da mão. —Vamos torcer para que elas encontrem algo que nos ajude.
Abri a boca para dizer algo, preferindo guardar o que ia dizer pra mim no final das contas, quando mordi o lábio e voltei a comer. Tinha tantas coisas na minha cabeça naqueles dias, que eu não tinha certeza de que eles me entenderiam se eu começasse a falar todas elas. A primeira delas era uma escolha que eu precisava fazer, mesmo que eu não soubesse ao certo o quê. Mas a sensação estava lá, se tornando maior a cada dia que passava.
[...]
Empurrei a porta do quarto, soltando uma respiração pesada quando deixei a vela na mesinha ao lado da cama, antes de fechar a porta. O lugar estava arrumado, apesar de eu ter a sensação que fazia muito tempo que alguém não dormia ali. Não precisava pensar muito para saber a quem ele pertencia. O quarto de Aurora ficava no final do corredor e estava trancado, completamente intocado. Margo estava dormindo no quarto extra, restando apenas esse aqui.
Toquei os guerreiros de madeira sobre a cabeceira da cama. Cada um em uma posição diferente de ataque, usando espadas e outros com arcos. Parecia um conjunto, tão simples e ao mesmo tempo que parecia significar tanta coisa, para ainda estarem ali. Deixei eles no lugar, podendo sentir o toque pessoal de Sky em cada detalhe naquele quarto, assim como o perfume que estava na roupa de cama.
Me sentei na cama e fiquei encarando o nada, sentindo o peso sobre meus ombros desparecer um pouco a cada segundo, como se eu estivesse no lugar certo. Quando o cansaço me venceu, troquei de roupa e me deitei para dormir, encarando o quadro que eu havia evitado olhar desde o início. Uma pintura de Aurora com um garotinho de cabelos escuros que estava no colo dela, brincando com aqueles mesmos guerreiros de madeira.
Não tinha chegado a apagar profundamente na cama quando escutei a casa estalar, assim como algo bater no andar de baixo. A vela estava quase se apagando quando a peguei, querendo checar que Margo e Percy estavam bem. A porta do quarto dos dois estava fechada e nenhum som ou claridade vinham lá de dentro.
Olhei para o final do corredor, onde ficava a escada, vendo que o barulho vinha do andar de baixo. Misty estava dormindo no início da floresta. Tinha checado antes de subir para dormir. Sabia que ela me avisaria caso alguma coisa estivesse errada. Quando desci as escadas para a sala, o lugar estava mergulhado na escuridão e a porta da frente permanecia fechada.
Mas vi a sombra da janela, do enorme dragão que estava do lado de fora junto com Misty. O ranger do chão me fez olhar para o lado, na direção da cozinha, sentindo minha barriga gelar quando encarei Sky. Ele estava parado ali, no meio das sombras, me encarando como se achasse que eu não era real.
Continua...
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As Crônicas de Scott: A Guerra / Vol. 2
FantasíaLIVRO2 (AS CRÔNICAS DE SCOTT) Zaia Scott aprendeu da pior maneira possível que não se pode confiar em todos que estão a sua volta. Após a traição de Raven e da sua derrota para os elementais, Zaia sabe que precisa descobrir o quanto antes quem são o...