Capítulo 28: O que vai me dar em troca?

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Nos dois caminhamos para dentro do lago. A água gelada me causando uma arrepio, até chegarmos a um ponto mais fundo. Segurei com força a mão de Raven, esperando que ele não notasse que eu estava tremendo, porque estava mesmo hesitante com aquilo, mesmo que curiosa. Paramos por um momento, trocando um olhar significativo antes de afundarmos na água.

Mesmo embaixo da água, o corpo de Raven exalava calor, mas isso não me impediu de encolher, enquanto soltava o ar e sentia aquela água ao meu redor. Observei Raven fechar os olhos, como se estivesse se concentrando em alguma coisa. Estava segurando sua mão com força, mas ainda agarrei seu braço com a mão livre quando a água se tornou um redemoinho ao nosso redor, até desaparecer quando meus pés tocaram o chão firme.

Se não fosse pela mão de Raven grudada na minha, eu podia jurar que estava sonhando, porque estava completamente seca, no meio de uma cabana pequena de um cômodo só. Uma cama dividia o espaço com a cozinha e com uma lareira, onde as chamas estalavam e a lenha se transformava em cinzas.

Senti Raven ficar rígido quando algo se moveu sobre a cama, junto com uma tosse seca e cansada. A coberta escorregou, revelando uma mulher abatida, de cabelos cor de chocolate longos e olhos castanhos. Ela parecia cansada. Doente. Marcas escuras embaixo dos olhos e os lábios secos enquanto tossia.

Olhei para Raven, observando sua expressão distante, como se a mulher não passasse de um fantasma. O ranger da porta da frente me fez virar o rosto rapidamente, vendo um garoto passar pela porta, carregando um cesto pesado de lenhas. Algo afiado atravessou meu corpo quando reconheci a cor dos olhos e os cabelos, além da expressão, parecendo muito mais suave e inocente do que mais velho.

—Trouxe mais lenha pro fogo e a sopa está quase pronta. —O garoto afirmou, abrindo um sorrisinho orgulhoso quando deixou as lenhas de lado e pegou uma concha para mexer na panela sobre o fogo. —Depois vou procurar outra bruxa. Uma que possa nos ajudar.

—Você não deveria estar fazendo essas coisas. Não vai adiantar. —A mulher sussurrou. Q voz não passando de um suspiro baixo e rouco, como se falar custasse muito a ela. —Já falamos com três, meu bem. Todas elas falaram a mesma coisa.

—E nem por isso eu vou desistir. —O garoto ficou de pé e foi até a cama onde a mulher estava, se sentando ao lado dela e a ajudando a beber água. —Vai ficar tudo bem, mãe. Vou cuidar da senhora.

—Você é o meu bem mais precioso. —Ela sussurrou, envolvendo o rosto dele com as mãos, antes de se inclinar e beijar sua testa, com pura adoração nos olhos. —Tenho tanta sorte por ter você e tanto orgulho.

—Quantos anos você tinha? —Questionei, engolindo o nó que se formou na minha garganta quando Raven desviou os olhos da cena, virando o rosto para o outro lado. Para que eu não visse a lágrima que tinha escorrido pela sua bochecha.

—Dez. —Raven afirmou, antes da imagem se desfazer rapidamente, como água se movimentando ao nosso redor, até estarmos em outro lugar.

A floresta ao nosso redor estava barulhenta. O vento balançando as árvores e os arbustos. Os pássaros cantando ao longe. O garoto estava ali, de frente para o tronco de uma árvore enorme, que formava a silhueta de uma pequena cabana. Um duende estava em pé na frente da porta, com as mãos na cintura e uma expressão irritada.

—Por favor, eu preciso de ajuda. Só... —O garoto choramingou, com a expressão se tornando desesperada quando percebeu que as emoções do duende continuavam a mesma. —Minha mãe está doente. Ela está muito, muito doente.

—Eu já disse que não posso fazer nada. —O duende balançou a cabeça negativamente, parecendo incomodado. —É melhor você ir embora.

—Minha mãe está morrendo. —Sussurrou, com os olhos se enchendo de lágrimas, como se algo estivesse se partindo dentro dele. —Por favor... qualquer coisa. Posso trabalhar pra você. Fazer qualquer coisa que quiser. Só a ajude.

—Escute, não posso ajudá-lo. Não faço ideia do que sua mãe possa ter. —O duende se aproximou lentamente do garoto, padecendo compadecido ao vê-lo implorar. —Mesmo que eu quisesse ajudar, não poderia fazer muita coisa. Mas tem alguém que pode.

—Quem?

—Um ancião. —Afirmou, com o tão de voz cauteloso, parecendo não saber se deveria mesmo falar aquilo. —Um deles pode salvar sua mãe. Só precisa encontrá-los.

Não tive tempo de ver a resposta do garoto, porque outro redemoinho de água nos cercou e fomos puxados daquela lembrança para outra. Meu coração estava na garganta, enquanto eu sentia a mão de Raven começar a ferver contra a minha, como se ele estivesse prestes a perder o controle.

Dessa vez eu reconhecia o lugar onde estávamos. o castelo enorme, parcialmente destruído. A floresta que ameaçava tomar conta de tudo. O Castelo de Pedra, onde os elementais costumavam se reunir. Tinha ido até ali, quando Amélia me levou para aquela reunião com os outros diretores dos chalés.

O garoto estava ali de novo, caído de joelhos no chão, na frente de uma mulher alta, de cabelos longos e brancos, que quase chegavam a atura do seu quadril. As roupas que usava pareciam antigas, mas não menos elegantes por isso. Pelo contrario, ela parecia quase magica demais, como se sua pele faiscasse magia.

Meu coração se apertou ao ver que a mãe dele também estava ali, caída a alguns metros mais atrás. O corpo magro demais. Quase esquelético. A pele pálida e flácida, como se a vida estivesse sendo sugada de dentro dela. Me perguntei o que seria capaz de causar algo assim em alguém, como se a própria morte tivesse dentro dela.

—Você pode ajudá-la, não pode? —O garoto questionou, mas parecia já saber a resposta, porque prosseguiu. —Por favor, a salve. Seu tempo está acabando e eu não sei mais o que fazer. Não posso perde-la. Por favor...

—O que vai me dar em troca? —A mulher questionou, com o rosto frio, enquanto a voz não passava de um suspiro.

—Qualquer coisa... qualquer coisa que quiser. —Afirmou, erguendo a cabeça para encara-la. —Você é uma anciã. Protege nosso mundo e nosso povo. Por favor, salve a vida dela.

Apertei meus lábios com força quando ele tentou tocar a saia do vestido que ela usava, antes de ela fazer uma careta e se afastar, como se estivesse com nojo do estado dele. O garoto parecia saudável, bem diferente da sua mãe. Mas seu rosto estava manchado pelas lágrimas, além de marcas escuras embaixo dos olhos. E suas roupas estavam rasgadas e sujas.

—Você não tem nada que possa me oferecer. Nada de valor. —A mulher fez uma careta, antes de começar a se afastar. —Vá embora e só retorne quando tiver algo de valor a me oferecer.

—Mas ela não tem tempo. Eu não tenho mais tempo. —O garoto tentou se levantar e ir atrás da mulher, mas ela o empurrou para trás e o jogou no chão com um único movimento das mãos, como se tivesse no controle do corpo dele. Algo se rachou no meu peito quando vi a expressão da mãe dele. A angustia e o medo, porque sabia o que iria acontecer.

—Raven... —Tentei chamar a atenção dele, quando vi a raiva queimar nos seus olhos, assim que as chamas surgiram na sua mão livre. Não consegui o segurar, porque ele soltou minha mão ao dar um passo na direção daquele garoto e da mulher, com a intenção de acabar com aquilo. Então eu mergulhei de volta na água, com algo se quebrando dentro de mim ao imaginar o que teria acontecido ali.


Continua...

As Crônicas de Scott: A Guerra / Vol. 2 Onde histórias criam vida. Descubra agora