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Lyana

Morrer não estava nos meus planos.

A primeira coisa que senti foi a ausência. O nada. Um vazio absoluto, como se o próprio mundo tivesse se distorcido e engolido a realidade ao meu redor. Eu não sentia dor, não havia som, não havia luz — só um peso sufocante e o frio. Um frio que se arrastava pelos meus ossos, congelando tudo o que eu era.

A última coisa que me lembro... O som. O som agudo e horrível dos meus ossos se quebrando. Como galhos secos sob uma tempestade brutal. O grito que rasgou minha garganta não foi de dor, mas de raiva. Raiva por ter falhado. Por ter sido vencida.

O Rei de Hybern.

Minha mente tentou reorganizar os eventos, mas tudo estava enevoado. Fragmentos, pedaços quebrados da última batalha. Lembro-me de sua risada, aquele som repulsivo que reverberava enquanto eu tentava derrubá-lo, tramar contra ele. Meus poderes, minha força, tudo desmoronando à medida que ele avançava. E então... a escuridão.

"Estou morta."

A compreensão me atingiu como uma lâmina gelada no peito. Morta. Eu, Lyana, Grã-Senhora da Corte dos Pesadelos e da Corte Outonal ... agora nada mais do que um corpo vazio.

Tentei me mover, mas meu corpo não respondeu. Meus pensamentos se debatiam como presas em uma armadilha, confusos, turvos. Eu estava presa. Algo me mantinha aqui. Não havia corpo para sentir, não havia chão sob meus pés. Só o vazio, e então... senti.

O Caldeirão.

Uma força poderosa e antiga, algo que existia além de qualquer compreensão mortal ou feérica. Ele me envolvia, cercava minha essência, minha alma, me sugando para suas profundezas como se eu fosse parte dele, um fragmento perdido de algo maior. Eu estava dentro do Caldeirão.

Minhas mãos — ou o que restava da ideia delas — tentavam alcançar a borda invisível, uma tentativa desesperada de me agarrar a algo. Mas não havia saída. Era como tentar escapar de uma prisão feita de sombras e gelo. E eu... eu era a prisioneira.

"Isso não pode estar acontecendo."

Lutei para recordar. Havia algo mais. Algo antes de tudo isso. Eu tinha um plano. Tentei derrubá-lo, tentei... eu não sabia ao certo o quê. Meus pensamentos estavam se dissolvendo, se misturando nesse nevoeiro sufocante. Só restavam ecos da raiva. Raiva por estar aqui. Por ter sido tola o suficiente para ser derrotada.

Mas agora eu sabia. Sabia o que ele havia feito.

O Rei de Hybern me jogara no Caldeirão. Não apenas me matara, mas me trancara aqui, dentro desse abismo sem fim. Eu podia sentir a magia pulsando ao meu redor, viva e implacável, o poder cruel e antigo do Caldeirão, devorando tudo. Minha própria existência estava à mercê dele.

Eu deveria me sentir aterrorizada. Eu sabia que era isso que ele queria — o medo. Mas, em vez disso, uma fúria ardente começou a se espalhar pelo vazio onde meu corpo deveria estar. Não iria terminar assim. Não para mim.

A ausência de um corpo físico era, paradoxalmente, uma prisão própria. Eu era apenas energia, uma consciência vagando no vazio gelado do Caldeirão. O peso do desespero ameaçava esmagar o que restava de mim, mas uma nova sensação de curiosidade começou a despontar, puxando-me para uma nova direção.

No meio da escuridão implacável, uma visão começou a se formar. Era um vislumbre de luz e cor que cortava a penumbra, um campo florido com violetas que dançavam ao vento. A cena era tão contrastante com o vazio sombrio do Caldeirão que parecia quase um sonho.

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