Decisão de Partir

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Os anos haviam passado como uma maré lenta e constante, levando e trazendo fragmentos da vida de Juliana. Cada dia era um pequeno passo em direção a algo mais tranquilo, mais leve, mas o peso do passado ainda repousava em seus ombros, ainda que menor do que antes. Foi em um dia comum, enquanto arrumava caixas no apartamento que dividira tantas memórias com Camila, que Juliana decidiu que era hora de mudar. Não apenas de espaço, mas de energia, de perspectiva, de vida.

Ela precisava deixar o apartamento para trás.

Gabi apareceu na porta do apartamento na manhã da mudança, com uma expressão que mesclava animação e preocupação.

— Está pronta para dizer adeus? — perguntou, segurando dois cafés quentes nas mãos.

Juliana pegou um dos copos e deu um sorriso contido.
— Acho que nunca vou estar completamente pronta, mas preciso fazer isso.

O apartamento estava diferente. As paredes antes preenchidas com pinturas vibrantes de Camila estavam nuas. As estantes, que outrora exibiam livros e pequenos objetos escolhidos a dedo pelas duas, agora estavam vazias, exceto por algumas caixas.

— Isso parece tão estranho — Gabi comentou, andando pelo espaço vazio. — Parece... menor.

— Parece diferente — corrigiu Juliana, olhando ao redor. — É como se tudo aqui fosse um reflexo do que eu era antes. E eu não sou mais essa pessoa.

Gabi a observou por um momento antes de se aproximar e colocar a mão em seu ombro.
— É bom mudar, Ju. Você merece um lugar novo, um recomeço.

Depois de meses de procura, Juliana encontrou a casa perfeita. Não era apenas um imóvel; era um santuário. Localizada em uma pequena vila costeira, a casa ficava em um terreno que descia suavemente até a praia. A fachada era simples, com paredes brancas e janelas grandes que deixavam o sol entrar. O destaque, no entanto, era a varanda nos fundos. Dali, uma escada de madeira descia diretamente para a areia.

Na primeira vez que Gabi viu a casa, soltou um assobio baixo.
— Você se superou. Isso aqui é um sonho.

Juliana riu.
— Ainda não é um lar. Precisa de um pouco de mim para isso.

E assim começou o processo de decoração. Juliana decidiu levar todas as pinturas de Camila para a nova casa, colocando-as em posições de destaque nas paredes. Era sua maneira de manter a memória viva, mas também de aceitar que o passado fazia parte de quem ela era.

Gabi ajudava com pequenos detalhes, sugerindo cores para as almofadas, posicionando móveis e até pendurando quadros.
— Esse fica melhor aqui, perto da janela. — Gabi segurava uma das obras preferidas de Juliana, um retrato abstrato que Camila pintara inspirada em uma conversa que a muito havia tido com Juliana.

Juliana assentiu.
— É um bom lugar. Acho que Camila gostaria disso.

Gabi sorriu suavemente, mas não respondeu. Sabia que, mesmo após anos, Camila ainda estava profundamente presente na vida de Juliana..

Quando finalmente tudo estava no lugar, Gabi insistiu em fazer um jantar para comemorar.
— Você não pode dormir na sua nova casa sem celebrar, nem que seja com uma pizza.

Elas comeram na varanda, com o som das ondas ao fundo. A lua iluminava a praia como um farol suave, e o cheiro de maresia parecia invadir todos os sentidos.

— Você conseguiu, Ju — disse Gabi, olhando para ela com um sorriso genuíno. — Conseguiu recomeçar.

Juliana suspirou, o olhar perdido nas ondas.
— Acho que sim. É estranho estar aqui, tão longe de tudo. Mas, ao mesmo tempo, parece certo.

Gabi hesitou antes de falar.
— Eu sei que ainda é cedo, mas quero que saiba que, não importa onde você esteja, eu vou estar por perto.

Juliana virou-se para encará-la. As palavras de Gabi sempre tinham um peso diferente, uma suavidade que fazia tudo parecer mais fácil.
— Obrigada, Gabi. Por tudo.

Elas compartilharam um olhar longo, cheio de algo que ainda não estava completamente formado, mas que ambas sabiam que era especial.

Depois que Gabi foi embora, Juliana ficou na varanda, sentada em uma poltrona confortável. O vento noturno era fresco, e o som das ondas era quase hipnótico. Olhando para as estrelas, ela percebeu que, pela primeira vez em muito tempo, sentia algo parecido com paz.

Ela fechou os olhos e respirou fundo, o cheiro de maresia preenchendo seus pulmões. Este seria seu lar. Um lugar para reconstruir, para aceitar e, talvez, para amar novamente.

A madrugada chegou devagar, e com ela, uma nova sensação de pertencimento. Naquele momento, enquanto a lua iluminava a praia e o vento balançava as cortinas da casa, Juliana sabia que estava exatamente onde precisava estar.

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