Verdades que Despedaçam

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O silêncio no apartamento de Juliana era quase palpável, quebrado apenas pelo som do relógio na parede e pela respiração pesada das duas mulheres. Sofia estava sentada na poltrona de canto, os dedos entrelaçados, como se segurasse com todas as forças as palavras que estavam prestes a sair. Juliana, no sofá, não disfarçava a impaciência. Seu corpo estava tenso, os olhos fixos em Sofia, cheios de mágoa e algo mais: um desejo incontrolável de respostas.

— Vai falar ou não? — pressionou Juliana, o tom ríspido cortando o ar. — Ou quer que eu adivinhe por que o amor da minha vida escolheu morrer sem me contar o que estava acontecendo?

Sofia engoliu em seco. A culpa a esmagava. Ela sabia que Juliana tinha direito à verdade, mas revelar o que Camila havia lhe confiado seria como rasgar uma ferida que já sangrava profundamente.

— Não é tão simples, Ju... — começou Sofia, a voz hesitante.

— Simples? — Juliana riu, mas o som era vazio, quase cruel. — Camila se matou, Sofia. Não tem nada de simples nisso. Nada.

A tensão na sala parecia sufocante. Sofia respirou fundo, buscando coragem onde não havia.
— Camila... Camila tinha segredos, Ju. Coisas que ela nunca conseguiu te contar.

Juliana franziu o cenho, inclinando-se ligeiramente para frente, como se pudesse obrigar Sofia a continuar apenas com o olhar.

— Que segredos? — perguntou, a voz carregada de um misto de raiva e dor. — O que ela não me contou que você sabia?

Sofia hesitou por um instante, mas sabia que não podia recuar agora.
— Quando Camila era adolescente, ela... ela passou por algo terrível. Ela foi... — Sofia parou, as palavras presas na garganta. — Ela foi abusada, Ju.

A declaração caiu como uma bomba. Juliana arregalou os olhos, a respiração acelerando.
— O quê? — perguntou, incrédula.

— Ela ficou grávida — continuou Sofia, a voz trêmula. — Tinha 16 anos. Deu a criança para adoção. Nunca falou disso com ninguém, nem mesmo comigo, até... até pouco antes de morrer.

O rosto de Juliana estava lívido.
— E por que isso levou Camila a... — A frase morreu nos lábios dela, mas Sofia sabia o que ela queria dizer.

— A filha dela... a garota... reapareceu. Ela tinha descoberto quem era Camila. Apareceu exigindo coisas, dinheiro, direitos... tudo. E não foi só isso, Ju. — Sofia fez uma pausa, as lágrimas começando a escorrer por seu rosto. — Ela começou a te ameaçar.

Juliana empalideceu ainda mais.
— O quê?

— Mandava fotos suas na rua, na academia, voltando do trabalho... dizia que se Camila não fizesse o que ela queria, você pagaria o preço. Camila ficou desesperada. Ela queria proteger você, Ju. Ela tentou de tudo para afastar a garota, mas não conseguiu.

Juliana levantou-se do sofá, cambaleando ligeiramente, mas ignorou a dor em seu corpo ainda em recuperação.
— Por que ela não me contou? — gritou, a voz quebrando. — Eu podia ter ajudado! Por que ela escolheu lidar com isso sozinha?

— Porque ela achava que você merecia ser protegida — respondeu Sofia, levantando-se também, os olhos fixos em Juliana. — Camila fez tudo pensando em você. Ela transferiu os bens para o seu nome, garantiu que a garota não pudesse tocar em nada que fosse seu. Ela queria que você continuasse vivendo, mesmo sem ela.

Juliana balançou a cabeça, as lágrimas escorrendo livremente agora.
— Isso não faz sentido, Sofia. Ela não precisava fazer isso. Não precisava morrer por minha causa.

— Ela te amava mais do que qualquer coisa, Ju — disse Sofia, a voz quebrada. — O medo de te perder, de ver você se machucar por causa do passado dela, era maior do que ela podia suportar.

Juliana virou-se, caminhando até a janela, onde ficou de costas para Sofia. O apartamento parecia mais frio, mais vazio do que nunca.

— E você? — perguntou, com a voz baixa, quase um sussurro. — Por que você não me contou?

Sofia hesitou, sabendo que não havia desculpa suficiente para justificar seu silêncio.
— Eu tinha medo, Ju. Medo de te magoar, de piorar ainda mais as coisas. Eu pensei... pensei que estivesse te protegendo também.

Juliana riu amargamente, ainda de costas.
— Você e Camila têm isso em comum, não é? Decidir o que é melhor para mim, sem me perguntar o que eu quero.

Sofia deu um passo em direção a ela, mas parou, sentindo o peso da culpa que as separava.
— Eu errei, Ju. Errei de todas as formas possíveis. Mas estou aqui agora, e vou continuar aqui, não importa o que você decida.

Por um longo momento, Juliana não disse nada. Apenas olhou pela janela, tentando processar a enxurrada de informações e emoções. Quando finalmente se virou, havia uma determinação fria em seus olhos.

— Então fique. Porque eu preciso de você para descobrir o que fazer agora.

Sofia assentiu, sentindo um pequeno alívio misturado à dor esmagadora. Elas ainda tinham um longo caminho a percorrer, mas pelo menos estavam começando a caminhar juntas.

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