Capítulo 87 - O Relógio

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Sentir o poder ser entregue em suas mãos tinha um sabor diferente para Ian. Nunca em sua vida tinham confiado nele para nada. Mesmo sendo inteligente e eficiente suas ideias eram sempre descartadas sem nem uma segunda olhada, só para serem roubadas e oferecidas por alguém mais importante. Por diversas vezes teve os seus créditos roubados e a sua autoestima esmagada.

Ninguém daria oportunidade a um órfão pobre. O mundo sempre tirou tudo de Ian, mesmo que ele não tivesse nada a oferecer, o pouco que conquistava lhe era tomado, às vezes de forma sutil, e às vezes de forma brutal. Não importava o meio, era doloroso de qualquer forma. Por isso aquela reunião era mais importante do que qualquer outra em sua curta e miserável vida. Pessoas mais velhas, poderosas e importantes não só ouviram o que tinha a dizer com respeito e atenção, como concordaram com o seu plano.

Aquilo o fez se sentir vivo, como se tivesse sido atingido por um raio de excitação. Sentia-se chapado pela droga do poder. Mas aquilo não foi conquistado, lhe foi entregue e não sabia muito bem como se sentia quanto a isso.

Odiava Dante por tudo que lhe tinha feito e não sabia se tinha algum espaço em seu peito para perdão, e ele não estava procurando por um. Queria vingança e a teria. Ian estava comovido pela forma que Dante o tratava, era perigoso gostar daquela atenção. Precisava acelerar a sua jogada.

Até então tinha levado seu tempo para conhecer o jogo, as regras e o adversário. Tinha cometido erros bobos e quase fatais. Movia as peças sem entender a importância de cada uma delas esperando alcançar o outro lado do tabuleiro, com a fome de poder de poder ganhar uma promoção e deixar de ser um simples Peão para tornar-se Rainha.

Foi a queda da Boaquete que acionou o relógio. Se antes podia jogar no seu tempo, agora precisava pensar rápido e agir antes que a seta caísse. E Dante não estava facilitando os seus movimentos.

O Rei tinha sua própria estratégia e por já conhecer o jogo não precisava de tanto tempo para se preparar para o próximo movimento. Dante sabia exatamente o que fazer para desarmar Ian. E estava funcionando. Ele tinha que correr com o seu plano, pularia algumas etapas, sacrificaria algumas peças, mas ele precisava ganhar. Não importava o preço que pagaria por isso depois, nada era mais importante do que a própria liberdade. Nem mesmo aquele sentimento incrível de poder.

Não deixaria ser enganado por palavras doces e ações calculadas. Não cometeria o mesmo erro novamente. Da última vez em que caiu nas graças de Dante teve seu coração esmagado, seu estomago revirado, seu corpo torturado. Ainda tinha os pesadelos constantes que não o deixavam esquecer da dor. Orlando ainda o assombrava com seu chilrear doce ecoando no fundo da sua mente. Sempre que comia algo se lembrava do sabor de morte do passarinho sorvendo em sua boca.

Ian permitiu-se inebriar-se com a sensação de poder e envolver-se na rede dourada e luxuosa de Dante. Era deliciosamente perigoso sentir-se parte de algo, ter um lar, pertencer a alguém. Era tudo que Ian sempre sonhou, mas não era real. Em algum momento Dante enjoaria dele como enjoou de todas as suas parceiras, e o descartaria como uma camisinha usada, uma vez que estivesse cheia de porra não serviria para nada nem para ninguém.

Não podia deixar isso acontecer, já estava quebrado demais para juntar os pedaços, não podia estilhaçar ainda mais. Viveria aquela doce ilusão sabendo que ela acabaria, e seria ele a pôr o ponto final em tudo, e não Dante. Alcançaria sua liberdade e guardaria esses momentos preciosos como um tesouro em suas lembranças.

Ian viveu sozinho por toda a sua vida e não queria morrer sozinho. Queria uma família para cuidar e ser cuidado, alguém para apertar a sua mão quando estivesse com medo, ou até alguém para brigar quando estivesse chateado. Queria ter companhia para o bem e para o mal, isso era o que significava família para ele. Achou que Dante pudesse ser isso para ele, mas era apenas um jogo.

Jogo PerversoOnde histórias criam vida. Descubra agora