""_O engraçado de escrever, é lembrar de toda aquela situação e saber que ainda está tão viva na minha cabeça. Porque lembro a paralisia que senti, o pavor de estar paralisado em frente aos degraus por muitos minutos tentando processar alguma coisa.
_Eu ainda me recordo da tentadora curiosidade. Também me lembro de algo me alertando do perigo, e mesmo assim, depois de muitos minutos, eu apenas subi, ignorando o alerta.
_Eu sabia que não deveria. Eu já tinha em mente que algo estava errado.
_A cada degrau, o cheiro ficava ainda mais forte. Parei em frente ao corredor do segundo andar que se abria em diversas salas que estavam trancadas. Não havia nada, nem se quer um barulho.
_Eu precisava descobrir. Eu precisava saber o que era tudo aquilo.
_Então fiz o que não deveria ter feito, continuei, continuei subindo, havia só mais um lance de escadas, parei no terceiro andar, o último. Era o andar em que eu estudava e havia apenas 3 salas. A minha era a última do corredor e era a única sala com a porta fechada.
_Meu nariz começara a doer. Mesmo puxando a blusa por sobre o nariz eu podia sentir aquele cheiro forte e metálico. Minha vista começara a arder e a lacrimejar.
_Não havia sequer um barulho. Nada. Não havia sequer uma sombra. Apenas aquele cheiro. Mas eu apenas continuei.""Curiosidade ou medo?
O medo nos faz fazer coisas que nunca achávamos que um dia teríamos coragem para fazer, não é?! Mas eu realmente não sei o que senti naquele dia, talvez possa ter sido ambos.""_Eu caminhara em direção a última sala, tendo cuidado em não tropeçar nos meus próprios pés que estavam trêmulos. Eu mesmo tentara não fazer nenhum barulho. Então com um clique no cérebro eu havia me lembrado: sangue.
_E a cada passo involuntário que eu dava, meu peito doía com as estocadas fortes que meu coração me dava. Me lembro da minha cabeça doendo, me deixando tonto do tanto que rodopiava devido ao cheiro forte e hediondo que penetrava todo meu corpo.""Eu sei. Eu só deveria ter ido embora e nunca mais ter voltado àquela escola. Algumas coisas teriam sido diferentes. Se no momento que eu sentira aquele medo tivesse ido embora, eu não teria vivenciado o que eu descobrira ser um dos meus piores pesadelos.
""_Infelizmente eu me acostumara com aquele cheiro forte e metálico de sangue, mas por alguma razão, talvez tenha sido de um medo maior, minha respiração havia parado no exato momento em que minha mão encostara na maçaneta fria. Uma voz mergulhada em medo gritara mais alto do que eu poderia ouvir na minha cabeça. E tudo que eu conseguia pensar naquela hora foi da minha vó me dizendo: "A curiosidade matou o gato.".
Então antes que eu pudesse me arrepender ainda mais das minhas escolhas, eu abrira a porta...""
*
Quem diria que eu viveria em mundo onde eu precise me esgueirar por aí tomando o máximo de cuidado para encontrar canetas? Chega até ser engraçado.
Apesar de tudo pelo qual tenho sobrevivido, sinto que não tenho muito tempo para viver e ainda assim não aprendi a ter coragem.
Eu quero viver o máximo possível. Eu preciso aprender a ter coragem.
Dessa vez fiz um estoque de canetas. No momento ainda estou a salvo, ainda posso escrever por mais algum tempo, mas vai saber até quando."_...por completo, e o que eu havia visto eu achei que nunca em toda a minha vida veria. Jamais. Jamais imaginei que aquilo aconteceria enquanto eu estivesse vivo...""
É engraçado como as coisas são. Eu sei como essas criaturas são, já as vi tantas vezes. Mas tentar descrever, visualizar elas em minha cabeça me trazem um medo real. O mesmo medo que sinto quando as vejo, algumas vezes parece que estou-a vendo pela primeira vez. Isso tudo que está acontecendo é real demais.
""_É o seguinte, eu vou tentar descrever a criatura para vocês, mas nem as melhores descrições que eu possa dar chegara perto de como verdadeiramente elas são.
_Essas criaturas são cegas, seus olhos leitosos às vezes chegam a brilhar à luz do dia. E eu descobri que elas perderam totalmente a audição e se guiam pelo o olfato, o que descobri do pior jeito. Seus corpos são frios e com muitas feridas. A falta de tufos de cabelo, pele ou até mesmo da carne os deixam ainda mais aterrorizante.
_Mas vocês vão acabar vendo as diferenças nelas porque elas ainda terão a aparência da pessoa que ela fora. Mesmo machucada, deteriorada, a aparência de como ela era quando viva ainda estará presente, na maioria dessas coisas, porque você nunca saberá o quão deteriorado estará a cara de uma delas.
_Não quero nem comentar sobre o cheiro podre que infelizmente, ou felizmente vocês vão acabar se acostumando, mas tudo ao redor tem cheiro de morte.""...
Ainda lembro do medo que me atormentou no exato momento em que eu percebi que aquela criatura me encontraria em qualquer lugar em que eu me escondesse. Acredito que eu ainda esteja fugindo dela até hoje.
""_A criatura que estava a minha frente, estava agachada sobre um corpo coberto de sangue, uma poça havia se formado sob eles, mas havia mais sangue do que um corpo poderia produzir. Acho.
_Com os olhos trêmulos eu olhara por todo a sala, assustado com tudo aquilo, havia sangue para todos os lados, pedaços de roupas, tufos de cabelo, havia pequenos pedaços de alguma coisa que me parecia muito com carne humana que estavam espalhados por todo o local. As cadeiras estavam reviradas e outras quebradas, e a única janela da sala estava estilhaçada com os cacos de vidros brilhando no chão.
_No canto esquerdo, perto do quadro negro marcado por arranhões de unhas, minha antiga professora Estela e outros alunos estavam mortos, amontoados um em cima do outro. Haviam mordidas por todo os corpos, alguns tinham ferimentos que gotejavam sangue, enquanto outros tiveram pedaços de carne arrancados a mordidas.
_A criatura segurava uma tesoura prateada e afiada, e lentamente ela enfiava e retirava da barriga do corpo estendido à sua frente, que minutos depois eu percebi de quem se tratava. Era o meu melhor amigo Diego. Ver a criatura rasgando por completa a barriga dele havia me paralisado, com a bile borbulhado em minha garganta. Eu não quis acreditar. A cena ainda é bem nítida na minha cabeça. Então eu senti pequenas gotas quentes escorrerem por meu rosto.
_Algo havia roubado a minha voz e tudo o que eu queria ter feito naquele momento era ter gritado e fugido...""Eu queria ter conseguido correr naquele dia. Mas até hoje me lembro da voz em minha cabeça ressoando: "Para que correr? O ditado está preste a se realizar. A única coisa que pode fazer é abraçar o destino que você cruzou. A morte será rápida. Por que correr então?"
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Sangue Morto
ActionOBRA REGISTRADA NA BIBLIOTECA NACIONAL (ISBN) * 29 de setembro de 2013. Foi o ano que o terror começou a andar sobre a terra. De tantos bilhões de seres humanos, apenas um parecia ter sobrevivido a uma pandemia que destruiria a raça humana. Yudi é...