""_Seguir a pé foi a minha única opção. Mais uma vez eu tinha uma escolha: subir um viaduto ou seguir a rua que se estendia até lá sei onde. Então eu subi o viaduto. Achei que teria uma boa visão de todo o local se estivesse um pouco mais acima. Não havia nenhum perigo naquele momento.
_Eu estava perdido. Mas já era ruim estar debaixo de um sol quente e forte, com sede e cansado. Estar perdido era uma das pouquíssimas coisas com que eu poderia me preocupar naquela hora.
_Eu havia perdido a noção da hora já que eu estava sem relógio. O sol não brilhava mais no céu, então imaginei que já era umas 19h. A lua cheia parecia enorme naquele céu escuro.
_Gritos. Sim, gritos, não urros. Foram gritos que preencheram aquela noite. E eu fiz a coisa mais lógica que o ser humano poderia fazer, corri até a beirada do viaduto para espiar. Correndo na rua de baixo, na direção que eu seguiria caso não subisse o viaduto, daria de frente para ela e seus predadores.
_Uma mulher alta, cabelos longos e ruivos corria em desespero. Ela usava uma armação de óculos grande demais para o rosto pequeno que tinha. O desespero estava estampando em sua cara, o suor escorria por todo seu corpo. Não havia 1 ou 2 criaturas atrás dela, não havia nem 5 ou 7. Havia muito mais, parei de contar quando chegara em 14. Ela subira pelo outro lado do viaduto, eu não deveria estar ali naquela hora. Eu corri para o outro lado, por onde eu subira.
_Foi desumano ou falta de coragem ter fugido dela e das criaturas? Eu não poderia me arriscar.
_Não deveria...
_Depois de ter perdido minha amiga, Clarice, eu encontrara outra pessoa, uma pessoa sendo perseguida... Era azar. Foi azar. Mas o azar era meu ou dela? Entendam, não havia nada que eu poderia ter feito.
_Ela vinha correndo atrás de mim, subindo o viaduto e eu descendo do outro lado. Com toda certeza sua garganta doía com o quanto que gritava por socorro. O que eu poderia ter feito?
_Ela era rápida, mas eu era mais, e não estava cansado. As criaturas queriam o sangue ela, não o meu. Ela tropeçara e o óculos escorregara de seu rosto. Esse foi o erro dela. Ela não enxergava nada sem eles. Ela se levantara, perdida, ela até havia tentado procurar pelos óculos, mas ela sabia que não teria tempo. As criaturas estavam ainda mais próximas dela. Minha curiosidade me fez parar, de longe eu a olhava.
_O que eu poderia fazer? Nada. Talvez, apenas morrer com ela.
_Ela não tinha mais um senso de direção, ela corria em zigue-zague, tropeçando nos próprios pés, os gritos sessaram. Ela não enxergava nada a dois palmos de distância do rosto. Imagino eu.
_Ela tirara uma arma da cintura, virara em direção às criaturas e atirara. 1 tiro. 2 tiros. Ela não tinha mira. 3 tiros. Uma criatura foi acertada no ombro. Elas urravam mais alto que o barulho dos disparos. Outro tiro. De longe eu vi uma criatura cair. Elas estavam mais próximas dela. O 5° tirou acertou uma criatura na cabeça e ela caiu.
_Eu não sabia quantas balas tinha uma arma, mas ela disparara cegamente mais umas 2 vezes antes que uma criatura lhe agarrasse pelos cabelos e a puxasse para trás. Ela não gritou quando outra criatura lhe arrancou um pedaço do ombro com mordidas. Outras criaturas se lançaram em cima dela, agarrando-a como conseguiam. Antes de me afastar mais eu vira seu último esforço. Ela levou a arma a testa e atirara pela última vez.
_Fora o último barulho que ouvira. Depois disso, as criaturas a largaram e pareceram ter perdido o interesse na mulher que morrera. Por mais uma vez, sorte. Eu estava longe o suficiente para que eles não sentissem o meu cheiro.
_Dessa vez eu corri, sem olhar para trás. E fiz o esforço de não me importar com a mulher que poderia ter causado a minha morte. Eu sinceramente não me importei. Eu preciso sobreviver.
_"Eu deveria ignorar a minha humanidade ou não?"
_...""Eu deveria estar dormindo agora. Não sei se seria sensato sair daqui amanhã. Mas preciso explorar um pouco mais, e tem várias outras casas por aí para passar a noite.
Às vezes me pego pensando naquelas criaturas da ponte. Nas criaturas que caíram na água. Eu deveria me tornar mais otimista, ainda mais agora.
É difícil ser otimista quando se vive em um mundo mergulhado em terror, disse Jim no fundo da minha cabeça. Apenas concordei.
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Sangue Morto
ActionOBRA REGISTRADA NA BIBLIOTECA NACIONAL (ISBN) * 29 de setembro de 2013. Foi o ano que o terror começou a andar sobre a terra. De tantos bilhões de seres humanos, apenas um parecia ter sobrevivido a uma pandemia que destruiria a raça humana. Yudi é...