"_Vocês precisam saber... muita gente nunca pensou no próximo, sempre se preocuparam com seus próprios narizes. Desde há muito tempo é assim e é claro que em plena pandemia e caos, não seria diferente.
_As pessoas só pensavam em fugir e ajudar aos seus. Salvação era a única coisa que importava agora.
_Eu achei que não precisava presenciar novamente aquelas criaturas destroçando humanos a sangue frio. Tanto sangue. Tanto medo. Eu não sei se me acostumei com o terror ou se perdi minha parte que sentia medo.
_Sempre pedi por coragem. Era uma das poucas coisas que eu desejava. E hoje, talvez eu perceba que sempre a tive.
_Essas cenas me dariam pesadelos se não fosse o mundo real em que vivo agora.
_Essas coisas estão se tornando normais."
Não deveria ser assim.
*Não deveria ser. Mas é. Você nem deveria estar aqui. Deveria estar dormindo*
Não entendo o que Jim queira dizer com isso. Às vezes acho que ele queria estar no meu lugar, ser completamente eu e não só uma parte. Mas ele tem razão, eu deveria estar dormindo.
"_Eu tinha tudo para achar que a tal garota nas minhas costas morreria de tanto medo. Ela fazia o meu corpo vibrar de tanto que ela tremera. Tudo estava indo bem, mas o erro dela foi ter olhado para trás ao ouvir o ganido estridente de seu cachorro. Eu me recusei a olhar para trás para ver a pobre criatura sendo destroçada.
_– Jim. – ela gritou e eu me recusei a parar, mas gritei para ela de volta perguntando o que queria.
_Mas ela continuou chamando pelo nome. O que deixou claro que ela se referia ao cachorro e não a mim.
_Era muita coincidência o nome do cachorro que a protegera e morrera para salvá-la, tenha o mesmo nome que eu e lá estava eu me arriscando para salvá-la.
_A tremedeira dela parou de repente e eu senti um peso maior nas minhas costas. Ela apenas desmaiara.
_Depois de muito correr, de muita dor, encontrei um lugar seguro para descansar. Mas quando ela acordara não fora tão tranquilo quanto eu poderia imaginar. Ela estava apavorada, seus olhos transbordavam em lágrimas e eu não fazia a ideia do que poderia falar. Ela viu o meu pavor com os próprios olhos. Aqueles olhos perdidos e amedrontados, eu conhecia muito bem.
_Ela é muito nova, perderia a cabeça fácil, e isso me fizera pensar, quantas vezes eu quase perdera a minha...
_Precisávamos sair daquele esconderijo e ela não tinha vontade de mexer um dedo para sair dali, mesmo eu dizendo que ali não era seguro. Ela perdera tudo e presenciou a morte do melhor amigo. O que eu poderia fazer?
_Entendam.
_Eu tive que arrastá-la a força por um caminho longo e não ajudava muito estar perdido. Eu só conhecia um caminho e aquele caminho era a nossa única opção. Eu não podia me afastar mais da casa da irmã do Felipe. E dessa vez ela não relutou de me acompanhar a pé. Não tivera outra opção mesmo.
_Ela não levantava a cabeça, mirava o chão como se procurasse algo específico... mas o chão estava coberto por sangue e ossos. Chegar até aquela rua principal foi fácil. Mas ainda restara algumas criaturas andando aleatoriamente. Ela ouvira. Automaticamente colocara as mãos na boca para segurar um grito.
_Eu não vira problema nenhum, mas também não a tranquilizei em dizer que essas coisas eram surdas e cegas, só seguiam o cheiro. O que naquele momento, a situação estava a nosso favor. O ar pesava a sangue e fumaça, eu poderia até dizer que estaríamos seguros se fossemos cautelosos ao atravessar.
_Ela deveria ter uns sete anos, eu não saberia cuidar dela, mas eu não poderia abandonar ela quando todos fizeram.
_O que vocês fariam?
_– Precisamos ir. – eu sussurrara para ela. Mas agora, escrevendo, percebo que eu dissera para mim mesmo. Eu precisava me mexer. Eu precisava dar o primeiro passo.
_– Não quero. Eu não quero. Não quero. – ela me respondera, balançado a cabeça. Ela tentava segurar as lágrimas, mas era inútil.
_– Mas precisamos ir. Se ficarmos aqui morreremos. Daquele lado teremos um abrigo, estaremos em segurança. Você merece viver tanto quanto eu.
_Eu a pegara pelo braço.
_– Eu não quero morrer.
_– E você não vai. Te salvei uma vez, deixa eu salvá-la de novo. Nós não iremos morrer.
_Tenho certeza que na minha voz naquela hora não havia segurança. Talvez ela tenha percebido minha dor.
_– Como pode ter certeza? – a voz dela saíra embargada pelo choro.
_Eu soltara seu braço e me ajoelhara em sua frente.
_– Você gostaria de saber o meu nome? – eu perguntara. Sei lá, achei que isso a daria mais confiança.
_Ela balançara a cabeça.
_– Não quero morrer.
_– Nós não iremos. Eu passei por diversas coisas por causa dessas coisas, e estou vivo. Vamos sair logo daqui. Nós conseguimos. Só tente manter a calma, tudo bem.
_Aqueles segundos de espera foi torturante, mas ela estendera a mão para mim e eu a segurei. Cuidadosamente nos esgueiramos entre os carros. Lamento por ela ter visto tantos cadáveres destroçados e ser tão nova. Mas quanto a isso eu não poderia fazer muitas coisas. Mas ela fora forte.
_Eu deveria dizer a ela que se aquelas coisas capturassem nosso cheiro estaríamos perdidos, mas não dissera.
_Ela ainda estava em lágrimas e não havia problemas. Estávamos perto da rua que nos salvaria. Mas eu não previ que ao contornar uma minivan, haveria uma criatura agachada enquanto dilacerava alguém. Ela nos notou e urrou alto ao se levantar, jogando sangue fresco na minha cara. A criança gritou um pouco mais alto com medo. E mais rápido do que eu notara, ela me agarrara pelo braço, logo o braço com o ombro dolorido. Eu mordi a boca segurando a dor. Ela me puxava com força, as unhas podres cravaram-se na minha pele. E a garotinha me puxava pelo outro lado em pleno grito, eu vi o desespero em seus olhos e acho que ela vira o meu.
_Eu gritei para que ela me largasse e voltasse, fugisse. Mas não, ela ainda continuava me puxando sem efeito, mas eu ainda tinha forças nas pernas para não me deixar cair. A criatura me puxava e sangue quente pingava de meu braço e uma dor absurda tomava conta de todo meu braço.
_E nesse momento eu só soube gritar de dor, só não imaginara que teria sido tão alto quanto o grito da menina e o urro da criatura. Com um movimento rápido eu a empurra no chão e dará um soco na cara deformada da criatura.
_Sem efeito.
_A carne podre se colara no meu punho quando puxara a mão de volta. O osso puído ficara amostra e o olho esquerdo leitoso caíra da cara dela
_– Só fuja daqui. – eu gritava em meio a dor. – Corra. Vá embora antes que outras criaturas apareçam. Por favor. Se salve.
_– Não quero. Não quero. Não quero morrer. – ela gritara de volta, agarra meu braço novamente e me puxara ainda mais.
_Meu antebraço que fora capturado pela criatura começara a queimar, mas eu já não sentira dor. O sangue já não pingava tanto como antes e a criatura parecera ainda mais furiosa do que antes. Ela abrira a boca e se aproximara-se tentando me morder, o que fora sorte minha que meu reflexo estivera afiado diante da morte, porque não achara que conseguiria ter desviado daquela boca horrenda. E tinha certeza que não conseguira desviar novamente.
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Sangue Morto
AcciónOBRA REGISTRADA NA BIBLIOTECA NACIONAL (ISBN) * 29 de setembro de 2013. Foi o ano que o terror começou a andar sobre a terra. De tantos bilhões de seres humanos, apenas um parecia ter sobrevivido a uma pandemia que destruiria a raça humana. Yudi é...