PARTE I - FUGA [ATUALIZADO]

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""_...
_O pavor de ainda me lembrar da sensação é assustadora. É como se eu pudesse ouvir todo meu ser gritando de medo.
_Aquele cheiro ao qual eu já havia me acostumado dera lugar a um novo cheiro. Um cheiro mais forte do que sangue. Talvez tenha sido isso que fizera eu ter o controle do meu corpo novamente, porque um novo desespero esquentava o meu corpo.
_Eu me lembro, era o cheiro de decomposição, da morte...
_Virei-me, tropeçando nos próprios pés e corri com bastante esforço para chegar até o portão principal.
_"Preciso aprender a ter coragem.", eu sussurrara enquanto corria...""

     Essa frase se tornara o meu mantra. A frase que até hoje me manteve vivo. Todos têm uma, e essa se tornou a minha sem que eu percebesse, apesar de tanto tê-la repetido por aí. Mas eu também sei que não devo me esquecer do ditado que minha vó sempre fizera questão de me dizer, e eu não podia, não havia como esquecer.
     Se arrependimento matasse, eu nem estaria hoje aqui escrevendo.
     Preciso parar de escrever por um tempo. Ouço os inconfundíveis urros dessas criaturas e por mais que eu esteja muito bem escondido, não posso contar com essa suposta segurança.
     Estou dentro de uma gruta fechada por algumas pedras e diversas plantas, se eu estiver certo, estou salvo por um tempo, mas se estiver errado e for encontrado, esse lugar se tornará o pior esconderijo no qual já me meti. Não devo ficar brincando com a sorte, não posso ter mais criaturas tendo o meu cheiro. Esse ainda não pode ser o meu fim.
     Há dias não sei o que é um banho, já estou ficando enojado com o meu próprio cheiro, fico com o estomago embrulhado só de sentir. Ficar racionando o pouco alimento que tenho não me ajuda em nada e só piora a minha situação, mas aprendi do jeito mais difícil a guardar o pouco que tenho para comer.
     Os urros estão se afastando, e para tudo ficar ainda melhor, pelas frestas da parede construída de pedras e plantas, vejo que o dia está escurecendo enquanto a luz da minha lanterna está fraquejando, em breve irá anoitecer e algo dentro de mim formiga dizendo que não posso passar mais um dia aqui dentro. Preciso fugir.

""_Tenho sorte de Julie não ser tão rápida quanto mostrara ser ágil. Ou eu supostamente me equivocara em meio ao medo em julgá-la dessa forma. Talvez incansável e decidida a me matar e devorar meu corpo é o mais correto. Ela não era tão lenta, o quanto eu desejara, mas mostrara ser rápida o suficiente para me alcançar se eu tropeçasse ou bobeasse. E para deixar tudo melhor, aposto que ela tem uma força fora do comum, eu seria destroçado em segundos. É animador, não?!
_O único caminho que eu tinha era as escadas, por sorte minha ela não tinha muito senso de equilíbrio, então por mais que eu tropeçasse nos meus pés enquanto descia as pressas, ela caía todas às vezes que tentava descer alguns degraus, mas isso não a desencorajou de querer me matar, ao contrário, pareceu alimentar ainda mais a vontade dela de me devorar.
_O portão ainda estava aberto, o que facilitou, então apenas corri para minha salvação o máximo que pude e o fechei pela alavanca quando o ultrapassei. É engraçado quando lembro do momento em que me senti seguro e minhas pernas cederam me fazendo cair de bunda no chão. Elas tremiam tanto, pareciam gelatinas. A falta de ar em meu peito fazia meu coração queimar, batendo com força. O suor frio descia por minha têmpora e nuca.
_Mas tudo passara quando ela alcançara o portão, rugindo e cuspindo sangue em cima de mim. Ela se jogava contra o portão de ferro com força, batia, puxava, arranhava como se ela só tivesse aquilo para fazer. E aos poucos o portão fraquejava das dobradiças.
_"Como eu imaginara, essas criaturas têm uma força fora do comum. Uma força que uma pessoa morta não deveria ter."
_Ela se jogava com fúria no portão enquanto eu tentava me arrastar pelo chão com medo da única coisa que me mantinha salvo fraquejar.
_Para deixar a situação ainda melhor, claro que não para mim, duas criaturas apareceram berrando para ajudá-la na missão de destruir o portão e a minha vida. Uma delas eu reconhecera de imediato, era Estela, minha professora, antiga, né. A outra, não faço a mínima ideia de quem era.
_O portão cedera como se não tivesse sido nada minuto antes, com um susto e com o coração literalmente na boca, me levantei e corri o máximo que conseguira aos tropeços, escorregando por sangue que não havia ali quando chegara.
_Então descobri a fonte de todo aquele sangue quando passara pela recepção, o banho de sangue que acontecera ali é indescritível, havia sangue em tudo, chão, paredes, poltronas, principalmente no balcão de atendimento. Não sei dizer se o que estava no chão aberto, se era um corpo ou uma almofada, só sei que não ficara por muito tempo para descobrir e nem ficaria se pudesse.
_O portão por qual eu entrara estava derrubado no chão, passei por cima dele e não soube para qual direção ir. Eu poderia ter descido a ladeira por qual subira naquela manhã pela esquerda; ou se ia pela direita, que era apenas uma rua plana com condomínios e árvores pela calçada. Eu escolhera ir pela esquerda.
_Julie havia passado pelo portão que ela mesma com ajuda das outras duas criaturas bizarras derrubaram.
_Corri todo desengonçado, sentindo o vento passar por meu rosto. Não conseguia respirar enquanto descia, mas não me atrevi a parar.
_Quando chegara ao pé da ladeira me permiti respirar. Tivera a impressão de que meu coração não aguentaria mais. Mas do topo, as criaturas não se moveram, elas ficaram paradas no meio da rua, acredito eu que farejando o ar ao redor. Elas olhavam para baixo, sabiam onde eu estava, mas não se atreveram a descer. Talvez por saberem que iriam cair e rolar rua abaixo, ou só não estavam com vontade de me perseguir, não naquela hora. Mas eu sabia que iria encontrar com
_Julie novamente, e com toda certeza outras criaturas. Eles deram meia volta e sumiram da minha vista.""

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