As paredes do túnel obscuro eram iluminadas por pequenas e fracas luzes, como vaga-lumes atados a uma corda que seguia pelo corredor sem fim. O eco dos passos de Abbo dava a impressão de que alguém a seguia, obrigando-a a se virar constantemente. Após o que pareciam horas de caminhada, o ponto de partida já não era mais visível, e a pobre corça não fazia ideia se estava avançando ou retrocedendo. Tentou manter seus olhos fixos no caminho à sua frente, temerosa de que, caso piscasse demais, perderia seu rumo, daria meia volta, e de novo, e de novo... E ficar presa naquele túnel subterrâneo para sempre. O silêncio cochichava em suas orelhas, soprando conversas e temores antigos. Leões são feras terríveis... Vai crescer de novo... Eles são grandes e cruéis... Fome, alface com jornal... Tudo está como sempre esteve... A chave, roube-a dos leões...
Abbo havia piscado demais.
Ela parou de andar, batendo seus cascos com força no chão duro de concreto. Seu coração acelerou e seus pulmões tornaram-se perceptivelmente pesados. À frente já não parecia mais o à frente correto. E o caminho oposto lhe era tão estranho quanto o primeiro. Para onde? Para onde?
Tan não mencionara o quão distante ficava a Cidade dos Leões, mas certamente era mais longe do que de uma ponta à outra da Cidade dos Cervos. As ruas e estradas cervídeas eram tão ramifica-das quanto os chifres dos machos, mas a Estrada Capim ia da fábrica de papel, ao Sul, até a Praça dos Limoeiros, ao norte, os pontos mais extremos da cidade. Um cervo levaria cinco horas para percorrer tal estrada, e ainda teria tempo para chupar uns galhos de pinheiro na Rua Hortelã. Inexperiente no ramo das relações externas, só restava à corça cogitar na distância que ainda deveria percorrer. E será esta a direção correta? Realmente não dei meia volta em momento algum?
Abbo não tinha como medir a duração de sua peregrinação. Seus cascos não aguentavam mais o pavimento, e suas pernas exigiam um repouso imediato. De seus lábios secos apenas sons de desânimo emergiam, e suas narinas não farejavam nada além da poeira estéril do desuso. Uma onda de ar frio foi lançada eu seu rosto, despertando-a de seus devaneios. A corça abriu um grande sorriso, pois aquele era o sopro gelado que saía do túnel misterioso e percorria o depósito da Fazenda de Cenouras, o sopro que ela confundiu mais cedo com a respiração de um leão.
– Ponta que partiu , estou no caminho certo! Estou, sim! – xingar em voz alta trouxe o ânimo da jovem de volta, e seus passos tortos quase viraram um trote.
Pouco depois ela se deparou com uma bifurcação no túnel. Siga o cabo maior, a voz de Tan sussurrou em seus ouvidos. O centro da cidade... Abbo olhou ao seu redor e examinou a confusa arquitetura daquele túnel quadrado: seguindo as faixas de luz pálida, vários cabos percorriam os corredores de pedra. Negros e brilhantes, pareciam cipós emaranhados presos à parede. Tinham vários tamanhos, sendo alguns finos como gravetos e outros grossos como galhos. Porém um deles era tão robusto que mais parecia um tronco de macieira enraizado na parede da bifurcação à direita. Sem dúvidas esse era o caminho. A iluminação ganhou um tom mais amarelado conforme avançava pelo túnel, e de tempos em tempos uma forte onda de ar frio tentava afastá-la de seu caminho.
– E-está tudo bem... Não é um leão, é só... uma baforada fria vindo do nada – A corça tentava se acalmar, porém aquilo que a aguardava adiante levaria a pouca confiança que lhe restava. Um sinal do que estava por vir surgiu na forma de uma placa enferrujada, na parede esquerda do túnel, acima de um estranho painel metálico. Alguns dos cabos que Abbo seguira entravam no painel e saiam do outro lado, nada que a perturbasse. Já a placa era algo a temer: nela foram gravados alguns caracteres irreconhecíveis, como arranhões ou estrias que sugeriam uma sequência lógica; acima deles, uma figura estilizada reproduzia um cervo, cujo pescoço estava entre os dentes de uma criatura estranha e pavorosa. Aquele monstro come-dor de cervos sem dúvidas era um leão, e provavelmente os caracteres alertavam os visitantes para a possibilidade de serem devorados, caso avançassem.
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O Banco dos Leões
AdventureUM CAPÍTULO NOVO TODOS OS SÁBADOS! ^^ - Há muitos anos, o General do exército leonino, Tukufu, roubou a chave do banco da Cidade dos Cervos, que hoje sofre com uma grande crise econômica. Nos dias atuais, os cervos convivem c...