Conspirações

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– Não! Quero ir com o tio Abbo! Quero ir com o tio Abbo!

– Ai meus pelos, viu? – Asani não tinha muita coisa para colocar na mala. Sempre fora um leão prático que acreditava poder correr mais com menos bagagem. No momento, sua maior bagagem lutava para não deixar o quarto e seus materiais de arte. – Como eu posso explicar as coisas para um filhotinho remelento e metido a gênio? – o leão se abaixou, fazendo cara de bobo e afinando a voz. – Óia, pequetucho: titio Abbo precisa levar a chavinha para seus amiguxos, depois ele vem nos encontrar láááá no Norte. Tudo bem, fofoleco?

Ghofiri odiava ser tratado como uma criança boba. Asani sabia disso.

– Quero levar minha caixa de lápis – o filhote disse, ainda emburrado.

– Faça o que quiser.

– Eu não tenho mochila. Coloca na sua?

– Não.

– P-por que não?

– Porque não gosto de você.

Ghofiri também odiava ser contrariado. Asani também sabia disso.

– Leva meus lápis, tio Asani... por favor...

O leão encardido olhou de cima para o leãozinho de boina vermelha, que se esforçava em vão tentando engolir o choro. Por fim Asani apanhou o pequeno estojo de lápis, enfiando-o no bolso da calça.

– Como é que se diz? – Asani o questionou, esperando ouvir um obrigado do filhote.

– O caderno também – Ghofiri respondeu, parecendo bem menos triste do que deveria.

– Não abuse – foi só o que Asani disse, entredentes.

Eles não poderiam fugir para o interior. Da última vez em que o leão encardido se aventurou lá, mal chegara às plantações de ração e os soldados do exército leonino o encontraram. Precisava ser mais esperto desta vez, e o melhor esconderijo para os fugitivos do Governo eram as plantações de blueberries, no extremo Norte. Asani nunca as vira pessoalmente, mas uma vez ao ano, no auge do inverno, podia-se ver dois ou três ursos polares caminhando no centro da Cidade dos Leões: eram mercadores de blueberries, frutos que só crescem em clima frio e que os leões adoram. Não para comer, obviamente, mas sim como joias ou ração de ratos. A beleza diamantada dos frutos era única, e leões vaidosos adoravam o perfume adocicado deles. Em contrapartida, um rato alimentado apenas com as frutinhas azuis tende a ser rechonchudo, macio e suculento, dando água na boca só de pensar no sabor de sua gordura.

– E o que isso tem a ver com o Norte e os soldados? – Ghofiri perguntou para o leão encardido, enquanto compravam a passagem de trem no Terminal T-bone.

– Acontece que teve a tal guerra leo-lupina, décadas atrás... Não sei bem o que rolou, mas a gente perdeu. E feio. E estávamos tão mordidos que os ursos vieram do Norte e avançaram sobre território dos leões – Asani tentava guardar as passagens e retirar um talo de aipo ao mesmo tempo, enroscando a pata no bolso da calça. – Eles ainda estão avançando, sabia? Ouvi falar que a ameaça polar tem tirado o sono do General... na minha opinião é outra coisa que o deixa acordado até tarde. Seja lá como for, o Exército não vai nos caçar no norte da Cidade dos Leões.

– Então podemos nos esconder com os ursos?

– Não sei – Asani roía o aipo distraidamente e, quando alcançaram um banco do terminal, notou que Ghofiri o encarava com curiosidade no olhar. O leão rabugento quebrou um pedacinho do aipo e ofereceu ao filhote, que o apanhou e imitou o gesto do adulto. Ghofiri mascou a pontinha do vegetal, tentando disfarçar sua cara de nojo pelo sabor amargo do aipo. – Ursos são predadores terríveis que caçam de tudo. Ouvi falar em leões que trabalham nas plantações deles em troca de proteção, só que...

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