Sozinha entre leões

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Olá, caro senhor. É um ótimo dia para ser um leão, não é mesmo?

– Eu... Acho que sim.

– Esplêndido! Preciso ir andando, sabe como é. Muitas coisas de leão para fazer.

– Tudo bem...

– Porque eu sou um leão!

– ...

Abbo passou um bom tempo abordando os transeuntes, fazendo perguntas como que horas são, ou qual seu tipo favorito de leão. Era muito divertido andar entre as feras fingindo ser uma delas, e, mesmo sabendo do risco de ser descoberta, precisava ter certeza de que seu disfarce funcionaria. Depois de falar com dois ou três leões, ela descobriu que aquele lugar se chamava estação de trem, porque era onde os trens estacionavam - aquelas latas enormes e barulhentas.

A juba era pesada e incômoda. Tinha que ajeitá-la constantemente sobre sua cabeça. Aquela pelagem esquentava muito, e o dia já estava mais ensolarado que o normal. Sentou-se em um dos bancos da estação, ao lado de uma leoa que aguardava o próximo trem. A corça se virou, encarando os olhos grandes e redondos da fêmea:

– Oi. Eu sou um leão.

Confusa, a leoa se levantou, afastando-se vagarosamente.

Abbo ficou feliz, acreditando que sua interpretação fora bem-sucedida. Tirou alguns minutos para descansar e ver o novo mundo ao seu redor: tudo era colorido e saturado demais, como um sonho lúcido; havia letreiros em todas as partes, aparentemente propagandas de produtos para leões e orientações de conduta; uma placa suspensa ilustrava um leão embarcando no trem enquanto outro tentava descer... Aparentemente, se você esbarrar em alguém por aqui, um deve abraçar o outro, foi o que ela interpretou da gravura. Também havia máquinas espalhadas pela estação como grandes caixas coloridas, enfileiradas uma ao lado uma da outra. De vez em quando alguém se aproximava delas, enfiava uma folha por uma abertura e, por outra, um pequeno embrulho caía. Isso aconteceu algumas vezes até Abbo compreender que eram máquinas-mercado: provavelmente havia alguém dentro de cada uma delas, recebendo folhas e as trocando por outras coisas. Bem parecido com nosso mercado de ervas... mas o que esses embrulhos contém?

A jovem Secretária dos cervos precisava conhecer mais sobre aquele povo, seus costumes e, principalmente, onde poderia estar escondida a chave do Banco dos Cervos. Ela se levantou, chacoalhou a juba e saiu andando, decidida a tomar o próximo trem que estacionasse. Vários leões se aglomeravam, ansiosos pelo embarque, alguns traziam pastas e maletas em suas grandes patas peludas, outros carregavam bolsas e sacolas de compras. Distraída, Abbo colidiu com alguém que vinha na direção oposta, chocando seu focinho contra o peito da grande fera uniformizada:

– Olhe por onde anda, idiota! – o leão a repreendeu. Ela ergueu os olhos, contemplando a bela e imponente criatura que se projetava em sua frente. Um traje azul-escuro cobria todo seu corpo, com botões e broches dourados que transbordavam autoridade. Abbo tateou a cabeça, temendo que a juba tivesse voado para longe, mas por sorte todos os pelos estavam no lugar. E agora? Como devo reagir?

O outro não se moveu, aparentemente aguardando sua reação. O cartaz de aviso parecia claro quanto a isso... Mas seria mesmo um comportamento adequado?

Sem tempo para pensar e tremendo igual vara verde, a corça-leão se aproximou e abraçou o leão-leão, sem conseguir envolver a larga cintura da fera com seus bracinhos de cervo.

– Mas o que... Que diabos é isso? – O outro a afastou, agarrando seus ombros. – O que deu em você, idiota?

– D-desculpe-me... Eu... É que eu... Eu não... – a corça ficou apavorada. Muita coisa passava por sua cabeça, inclusive a possibilidade de se ajoelhar e chorar, implorando por sua vida. O leão de verdade a chacoalhou igual a uma boneca de trapos. Seus olhos dourados varriam aquele projeto de leão de cima a baixo, examinando cada aspecto daquela criatura miserável.

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