Mordidas

52 4 6
                                    

O clima abafado anunciava uma tempestade a caminho.

Aquele leão uniformizado daria tudo para poder tirar sua farda e tomar uns drinques bem gelados, mas isso tinha que esperar. Retirou sua boina azul, abanando seu focinho suado e recolocando-a a contragosto. Embora Imara não apreciasse o acessório, que pinicava e arrancava fios de sua juba, não daria brecha para que o vissem sem boina. Estava em vias de se tornar Sargento, e já liderava uma pequena equipe de leões como treinamento, então cada mínimo sinal de suas imperfeições deveria ser camuflado. Sua carreira, sua fama e seu futuro dependiam de agradar ao General Balogun.

Imara precisava ser o leão perfeito.

O posto de vigilância da Estação Acém ficava acima da zona de embarque. Ele olhou para baixo, vendo a movimentação cotidiana dos leões atarefados, depois se reclinou mais, observando o enorme letreiro que ilustrava um leão segurando um rato pela cauda, sobre sua boca. Aquele Soldado não comia carne há anos, e depois de tanto tempo privado do sabor do sangue, o mesmo letreiro de Ruffles que o fazia salivar, anos atrás, nada significava agora. Foi uma escolha que eu fiz, ele pensou. Foi um salto de fé, agora tenho que lidar com as consequências.

A porta se abriu. Um jovem cabo entrou ofegante, trazendo a mensagem que seu superior aguardava:

– A reunião com o senhor Azizi terminou. O General está te aguardando, senhor.

Balogun não gostava de ser interrompido em seus encontros com o Assistente do Prefeito. A proximidade dos dois era suspeitíssima, e o burburinho era de que Azizi era uma escuta do General dentro do Gabinete da Prefeitura dos Leões. Imara desceu a escadaria, saindo do posto de vigilância e deixando o jovem em seu lugar. Abaixo, na Estação Acém, ele cruzou com o leão perfumado, que saía da sala de administração com preocupação em seu rosto.

– Boa tarde, Imara. – Azizi o cumprimentou, com o olhar baixo.

– Balogun está pronto para me receber?

– Provavelmente. Mas duvido que você esteja.

O Assistente do Prefeito não explicou o motivo, continuando seu caminho até a saída da estação. O Soldado notou o desgaste do outro, perguntando-se o motivo. Esse idiota não devia ter se metido com leões se não aguenta as mordidas, recitou para si mesmo. Depois seguiu até a porta de entrada da administração ferroviária, girou a maçaneta e entrou, dando de cara com um General bastante apreensivo. O leão de boina preta estava no canto de uma mesa cheia de planilhas e mapas da cidade, dentre os quais Imara conseguiu reconhecer uma ilustração do Banco dos Leões. Balogun ergueu seu focinho, cumprimentando o recém-chegado:

– Às vésperas da promoção, e não experimentou sua boina vermelha?

– Ainda estou amaciando ela, General – o Soldado respondeu, cordialmente.

– Sabe – o outro se levantou, deixando uma listagem de funcionários públicos de lado –, eu me preocupo com o bem-estar dos que estão abaixo de mim. Por isso sempre mantenho um olho em Azizi. Se eu deixar, ele acaba fazendo todas as vontades insanas de nosso Prefeito. Infelizmente nem mesmo meu amiguinho perfumado conseguiu impedir a queda da Lei do Bando Forte, e isso me deixou bastante... incomodado.

A sala de administração deveria estar repleta de funcionários, à essa hora. Aparentemente o General tomara aquele departamento para si, privando os leões que ali trabalhavam de seus registros de contabilidade e das estantes empoeiradas dos arquivos. Não sei por que ele está trabalhando aqui, se poderia ocupar qualquer Sala de Situação do Quartel... Deve estar planejando algo. Algo secreto até para o Prefeito...

O Banco dos LeõesOnde histórias criam vida. Descubra agora