Leões Falsos

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A jovem se sentia completamente desprotegida contra os olhares das feras que a cercavam. Curiosos chegaram mais perto para ver melhor o que Asani havia atirado para fora de sua barraca, pegos de surpresa pela gritaria do leão encardido.

– E saiba que nada agrada mais um leão do que carne fresca. Muita carne fresca – ele rugiu, silenciando as súplicas da jovem. Depois ergueu a pata direita, com a qual segurava o ratinho cinza pela cauda. – Se for para me presentear, que seja com algo melhor que um mero rato!

Abbo não entendeu nada a princípio. De repente, uma cachoeira de pelos dourados escorreu de sua cabeça e cobriu seus olhos: ela estava usando a peruca-juba. Antes que pudesse absorver o que tinha acontecido, o leão enfiou Ruffles na boca, trancando-o entre os dentes, sugando seu rabinho como macarrão e falando com uma voz abafada:

– Entendeu o recado, leãozinho do interior? – depois Asani foi até a corça-leão, ergueu-a pelos braços e a puxou para longe dos operários curiosos que mal compreenderam a cena.

O ratinho se debatia dentro da boca fechada do leão, soltando gritinhos abafados. Abbo não fazia ideia do que Asani pretendia, mas estava feliz em ser arrastada para longe do acampamento. Eles passaram pelo refeitório deserto, indo mais além até chegarem em um canto da praça usado para armazenar caixas de madeira, barris e sacos de areia. Estranhamente não havia uma alma viva por perto: normalmente os Soldados faziam rondas regulares em todos os cantos da Cidade dos Leões, mas, em vésperas de eventos públicos, era comum desviarem pelotões inteiros para aumentar a segurança do Prefeito. Não sei se isso é uma coisa boa ou ruim, Asani pensou. Principalmente para o que pretendo.

– Agora me escuta – ele falou, ainda com a voz abafada pelo ratinho. Depois cuspiu a bola de pelos no chão, limpando a língua com a pata. Ruffles quicou na grama, todo molhado e grudento. – Eu ouvi você e esse rato falando sobre roubar o Tukufu e coisa e tal, mas isso não vai funcionar.

– Mas eu...

– Calada! – O leão encardido envolveu o focinho da jovem com sua pata, sem tempo para ser contrariado. – Hoje é um grande dia para aquele velho arrogante, acha que ele vai andar por aí, comprando docinhos nas barraquinhas e jogando dardos? Milhares de leões encherão a Praça Picanha, ansiosos para ouvir o que seu líder tem a dizer sobre a crise trabalhista da Cidade dos Leões. O Prefeito estará rodeado de Soldados, alguns tão selvagens que seriam capazes de farejar um rato a centenas de metros!

– Se o problema era o meu cheiro acho que você já deu um jeito nisso – Ruffles apontou, tentando inutilmente limpar a baba de seus pelos.

– Isso não é piada! Tem uma corça na minha cola, e se vão mesmo roubar o canalha do meu padrinho ao menos vou garantir que façam direito! Vamos observar seus movimentos durante o comício, aguardar a melhor oportunidade e, se ela surgir, darei a ordem para agirem.

– Isso é ridículo – o ratinho contrariou Asani novamente, e o leão encardido gemeu, incomodado com aquela criaturazinha irritante com gravata borboleta. – Não precisamos desse gato crescido, senhorita Abbo. Essa peleja é nossa, não dê ouvidos à petulância dele!

– Foi você mesma que pediu minha ajuda, corça.

– Tenha mais respeito para com ela, leão!

– Sabe, eu devia ter te pisado mais forte, ratazana!

– Asani tem razão – Abbo concordou, e, depois de ver a face indignada do ratinho, ela completou seu pensamento. – Não sobre pisar, digo... Ele tem razão: preciso da ajuda dele.

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