Um novo leão

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Foi a pior noite de sono que a corça já teve. Ghofiri custou a dormir, de modo que passou da meia noite e o filhote continuava a desenhar, sentado em seu colchonete. Imara parecia um fantasma, em pé, no canto do quarto. Segundo o próprio Soldado, ele já estava acostumado a passar noites em claro, de vigília, e foi só o que o grande e pavoroso leão falou, tornando-se um espírito a assombrar o quarto de Abbo.

Pela manhã não havia um osso do corpo da jovem que não doesse. Ruffles não estava em condições melhores: escondeu-se na juba abafada de sua amiga até de manhã, não tendo uma pausa se quer durante o dia. Imara seguiu a jovem para todo canto, até para o banheiro, embora tivesse a decência de não entrar na cabine com ela.

– Ele nem faz questão de disfarçar sua espionagem! – o ratinho cinza cochichou, enquanto Abbo dava contínuas descargas em uma privada de areia na tentativa de abafar a conversa dos dois. – O que vamos fazer?

– Eu não posso pedir para Tukufu se livrar dele, isso pareceria suspeito!

– Então vá falar com Asani! Pelo amor dos meus bigodes: peça ajuda para Asani!

Ao decorrer do dia a corça-leão se encontrou com mais dois secretários. Durante o almoço, teve uma reunião com Peyisai, na qual falaram sobre o tour na Fábrica de Sabão. Imara a acompanhou em todos esses eventos, com sua atitude pouco discreta:

– Se pensam mesmo em deixar os civis visitarem essa ala vocês são muito idiotas – o Soldado resmungou, cutucando o mapa no centro da mesa, passando seu braço por cima da cabeça de Abbo.

– Ainda estamos acertando os detalhes finais. Falta uma semana para o evento, Abbo e eu precisamos discutir onde...

– Humpf! Obviamente quem elaborou essa rota não passa de um idiota que nunca viu a fábrica de perto – ele continuou, debruçado sobre a corça-leão irritada. – Está vendo aqui? Essa é a Guarita 9. Já trabalhei lá, e de cima dá para ver a Sala da Salmoura. Não vai querer levar o bando para ver essa sala. Ah, com certeza não. Os idiotas sofrem bastante por lá enquanto marinam.

– Dá licença? – Abbo empurrou o peito do Soldado para o lado, quase não conseguindo movê-lo. – Estamos planejando um evento aqui. Por que não vai buscar um chá para mim, ou algo do tipo? Não é o que assessores fazem?

Imara contorceu o focinho de raiva, e deu uma chicoteada no ar com seu rabo.

– Há algumas semanas você não teria coragem de falar essa idiotice para mim...

– Como as coisas mudam, não é mesmo? – a corça ironizou, tentando se lembrar de como era sentir medo dos leões. No momento, tudo o que corroía seu sangue era raiva por não poder se livrar daquela juba quente e pesada.

Depois daquela desgastante reunião, na qual o Soldado se intrometeu inúmeras vezes, Abbo finalmente cedeu à ideia do ratinho cinza. Para sua surpresa, Asani não estava limpando caixas de areia. Ela o encontrou no Departamento de Bolas de Lã, separando os novelos pela cor e os guardando em várias caixas. Muita coisa na Cidade dos Leões ainda era um mistério para a corça, mas aquele departamento superava tudo. Nele havia várias prateleiras, etiquetadas e bem organizadas, com todas as cores de lã imagináveis.

– Então os boatos eram verdade – Imara resmungou, de braços cruzados. – O idiota das fitas finalmente buscou a barra de saia de seu padrinho.

– O que vocês querem? – Asani não deu bola para os recém-chegados. Estava de costas, decidindo se o novelo em suas patas era de lã amarela ou mostarda.

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