O cervo irmão abandonado

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Uma jovem corça, magra e faminta, revirava pela quinta vez o galpão de estocagem de jornais. Tantos cervos já passaram ali, procurando qualquer pedacinho de papel esquecido, que nem a prensa de jornal estava inteira. Suas peças jaziam espalhadas sobre entulho e taboas roídas. Ela ergueu seu focinho, farejando algo estranho: um cervo se aproximava. Trotou para detrás de um grande carretel de papel vazio, preparada para tudo.

– Não gosto disso – uma voz estranha soou. Era uma fêmea, e parecia vir desacompanhada.

– Onde está todo mundo? Você disse que seu irmão estaria aqui, tio! – não parecia ser um filhote de cervo. Seus passos eram silenciosos e sua voz era rouca.

– Talvez ele tenha ido para casa, senhorita. Não se aflija, encontrá-lo-á em breve – um terceiro afirmou, assustando a jovem corça. Que tipos de cervos são esses?

Os três se aproximavam do esconderijo, espantados com a decadência do lugar como se fosse novidade. O que mais a preocupava eram os boatos de um monstro atacando os solitários que se aventuravam longe do centro: as poucas testemunhas diziam que, enquanto procuravam comida, foram surpreendidos por uma fera com dentes afiados, faminta por carne de cervo. E se for verdade? E se esses estranhos quiserem me... me...

Não havia alternativa. A jovem apanhou uma pedrinha e atirou em um barril de madeira, ao longe.

– Ouviu isso? – a vozinha aguda alertou os demais. – Veio daquele lado!

– Alô, tem alguém aí? – os desconhecidos pareciam ter ido na direção do barulho.

Essa é minha chance!

A corça levantou, cuidando para que seus cascos barulhentos não a entregassem. Porém, assim que tirou o focinho do esconderijo, ela deu de cara com uma pequena fera de olhos vermelhos e presas afiadas.

– Tio! Tio! – o pequenino gritava, apontando para a jovem apavorada. – Eu achei um!

– Não, por favor! N-não me devorem! P-por favor! – ela fechou os olhos e cobriu sua cabeça com os braços. – E-eu mal tenho carne! Não me machuquem, p-por favor!

– Acalme-se, amiga – Abbo sentia muita pena daquela corça medrosa. Provavelmente fora assim que Asani a enxergara, na primeira vez em que a viu sem juba. – Não vamos te... Eu sou uma corça, igual a você.

– E-eu não ia roubar nada, eu juro! Só estava procurando jornal para mim e meu parceiro, Abuu...

Abuu? – Abbo exclamou, provavelmente alto demais, pois sua voz arrepiou os pelos da corça apavorada. – Você conhece meu irmão?

Finalmente a jovem teve coragem de abrir os olhos. Seu coração saltava na garganta e sua face estava úmida de lágrimas.

– V-você... É você mesma? Você é a Abbo?

– Sou... Mas quem é você? E onde está meu irmão?

O filhote de leão que assustara a jovem lhe estendeu a patinha, assustando-a novamente. Por fim ela aceitou o gesto, apertando aqueles dedos fofinhos e se apoiando em Ghofiri para levantar.

– M-mas o que você está fazendo aqui? E quem... ou o que é esse... essa...

– Por favor, eu preciso ver meu irmão – Abbo interrompeu a outra. – Ele está aqui?

– Não, ele... eu não sei bem onde ele está... – a corça não conseguia tirar os olhos do filhote. – Ficamos de nos encontrar na Praça dos Limoeiros em algumas horas.

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