Os dois passaram a noite inteira assim, abraçados, dormindo o sono mais tranquilo de suas vidas. Abbo comparava o abraço de Asani com o do velho Tan, mas à luz do alvorecer um certo constrangimento recaiu sobre ela, que achou melhor se afastar do leão. Asani se levantou a contragosto, vendo que a jovem desviara de seus braços.
– Está enganada quando a mim – o leão corrigiu a afirmação que Abbo fizera, noite passada – Não mantive minha juba por orgulho, mantive-a porque ela me lembra do meu pai. Não tenho mais orgulho a perder, assim como você.
Abbo entendeu a indireta. Tratou de se levantar e se recompor para seguir com o plano, mas não antes de retrucar com o leão:
– Você pode achar que não, mas é o mais orgulhoso dos leões. Bom, Imara já deve ter levado Ghofiri para o Quartel – ela disse, enquanto procurava sua juba. Quem a achou foi o leão, que enfiou a pelagem na cabeça da jovem.
– Sabe que o filhote não conseguirá cunhar prata, não é mesmo? Técnicos estudam anos para mexer com esse metal, não é só aquecer e cortar igual manteiga.
– Não sei o que é manteiga, também não encontrei nenhum técnico que conheça a chave do Prefeito.
– Ué – o leão de pijamas procurava seu uniforme de trabalho. Estava em um canto do quarto, uma pilha de roupas encardidas –, mas Tukufu disse que seus peritos tinham replicado a chave... Quem são esses peritos?
– Eu não faço ideia – A corça ajeitou sua gravata na frente do espelho. – Estou muito preocupada com Ghofiri... Infelizmente não pude ir com eles, só militares podem entrar nas instalações do Exército. Eu devia ter deixado o Ruffles ir, para ficar de olho em Imara... Mas aí ele poderia ser farejado... Eu realmente não sei se fiz bem...
Asani se aproximou por trás da corça no espelho, apoiando suas patas largas nos ombros estreitos dela:
– Provavelmente você fez bobagem – ele disse, ao contrário do que a jovem pensou que ouviria. – Mas vamos fazer um acordo desta vez, de seguir com o plano.
Naquela manhã, Abbo teria um encontro rápido com Tukufu para revisarem o texto que ele discursaria, em três dias, na Fábrica de Sabão. Estava quase tudo pronto para receber os civis: o percurso que eles visitariam estava limpo e bem iluminado; os prisioneiros no caminho haviam comido bem, nas semanas anteriores; os vazamentos visíveis foram tapados e os insetos obliterados. Tudo isso, claro, era faixada para que o ambiente não chocasse os visitantes, plantando a ideia de que a fábrica não era tão ruim, e que os leões infratores recebiam justiça, não punição.
– Isso está uma porcaria! – Tukufu brandiu, jogando as páginas de texto para o ar. Azizi se apressou em apanhá-las, dispensando o auxílio de Abbo com um gesto.
– Seus assessores já modificaram esse discurso 21 vezes, senhor – o leão perfumado tentava se justificar.
– Não consigo... Não dá para entender essas besteiras!
– Talvez se o senhor aumentasse o grau de seus óculos poderia...
– Não é disso que estou falando, imbecil! – Tukufu apanhou uma das lanças que ficavam penduradas em sua parede. A sala do Gabinete tinha vários objetos que o leão usara em sua juventude, e algumas armas mortais faziam parte dessa coleção. – Amor? Carinho? Amizade? Diga-me, Abbo – o Prefeito apontou a lança para o coração da corça-leão –, quantos leões admiráveis já discursaram sobre amizade ao visitar uma prisão mórbida e fétida?
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O Banco dos Leões
AdventureUM CAPÍTULO NOVO TODOS OS SÁBADOS! ^^ - Há muitos anos, o General do exército leonino, Tukufu, roubou a chave do banco da Cidade dos Cervos, que hoje sofre com uma grande crise econômica. Nos dias atuais, os cervos convivem c...