A melhor coisa

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Rashad pegou carona em um dos caminhões que voltavam para a garagem. Tirou o capacete branco da cabeça, descomprimindo a juba e suspirando aliviado:

– Essa foi a melhor coisa que me aconteceu hoje – confessou para o motorista, ao lado.

– Mesmo?

– Gosto de apreciar cada momento.

Após um longo dia de trabalho, apenas um compromisso separava o Organizador de Eventos de seu merecido descanso. Passara o dia todo disciplinando os funcionários e brigando com distribuidores... Ele merecia que o dia terminasse bem. Rashad puxou um charuto do bolso de sua camisa social listrada, cortando a ponta com os dentes. Só uma tragada, para dar ânimo de encarar o chefe...

– Nada de fumar na cabine – ele foi alertado pelo motorista.

– O quê? Sério? – o leão Organizador reclamou, a voz abafada pelo charuto entre as presas.

– É o protocolo de segurança.

– Sabe que eu sou seu patrão, não sabe?

– Mil perdões – o outro o encarou com um olhar sarcástico.

– Nada de fumar aqui... patrão.

Contrariado, guardou o charuto no bolso. Ainda podia sentir o sabor do fumo quando chegaram à Estação Acém, onde estavam alocados vários caminhões de transporte de carga. O leão agarrou seu capacete e desceu da cabine sem agradecer a carona. Atravessou o pátio orgulhoso de si por ter pensado em usar aquele espaço vazio para carga e descarga: isso sim é trabalho de um grande Organizador de Eventos! Tudo funcionando como deveria. Ainda hoje aquelas cadeiras serão entregues na Praça Picanha, e, quando aquele outro caminhão levar os fogos de artifício, as fitas e bandeirolas já estarão prontas para pendurar! Tukufu não poderia querer alguém melhor para este trabalho!

Aquele sujeito estava tão satisfeito consigo mesmo que quase acendeu o charuto na estação de trem. Como isso era proibido, resolveu extravasar sua empolgação com um lanchinho rápido das máquinas automáticas. Adiantou-se para uma delas, sacando uma nota verde de seu bolso e inserindo-a na abertura para dinheiro.

– Deixe-me ver. Versão diet? Acho que não faz mal fugir da dieta um pouquinho. Versão normal.

Rashad apertou o botão azul e ouviu o som das engrenagens em funcionamento no interior da máquina. Logo um pacotinho brilhante caiu no compartimento inferior, e o leão se abaixou para apanhar o lanche. Ele rasgou o pacotinho e devorou seu conteúdo enquanto se dirigia ao trem que estacionara na plataforma. Duas ou três mordidas mais tarde, o organizador já estava dentro do trem, o saquinho azul vazio e sua barriga cheia. Lambia os beiços, feliz e satisfeito:

Adoro Ruffles. Foi a melhor coisa que me aconteceu hoje.

Só havia mais um compromisso na agenda daquele leão: o café da tarde com o Prefeito. Isso não seria problema pois só tinha boas novas para seu chefe. As obras do Grande Comício estavam bem adiantadas, provavelmente levaria menos de três dias para conclui-las - antes do prazo estipulado!

Mesmo conhecendo a linha de trem melhor que qualquer um, ele deu uma olhada nas estações à frente. Em uma plaquinha acima da porta de embarque havia um mapa listando o trajeto: acabara de embarcar na Estação Acém, e faltavam seis paradas para chegar ao Terminal T-Bone; se não houvesse imprevistos, estaria tomando café com o Prefeito em menos de meia hora. Se tudo correr bem sobrará tempo para pegar o terno que comprei para meu filho, que deixei no armário do meu dormitório na Prefeitura, e mandar embrulhar para seu aniversário. Isso sim seria a melhor coisa que me aconteceria hoje!

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