Carcaças

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– Hey! Hey! Está puxando o meu pelo! Está doendo, me solta!

Não importava o quanto aquele leão encardido lutasse, o Soldado o prendia firmemente pela juba, levando-o para longe da barraca desocupada do Prefeito. Era noite, e o caminho deles seguia o sentido oposto ao do centro da Cidade dos Leões. Em certo ponto, a estrada se converteu em uma rua mal cuidada de terra, entre duas fileiras de árvores. Já estavam andando por quase quatro horas quando Asani se virou para encarar o militar. Para sua surpresa, aquele leão fardado estava de olhos fechados, babando e roncando durante sua marcha.

– Presa que partiu– o leão encardido rosnou, debatendo-se e esperneando. – Você está dormindo? Acorda, seu rato sujo! Anda!

De repente o Soldado abriu os olhos, assustado com a gritaria. Espalmou suas patas e largou Asani, que caiu no chão com as pernas doloridas de tanto andar.

– Seu nome é Chiwanda, não é mesmo? – o leão encardido esfregava as pernas, aliviando o formigamento. – Já vi que você é o lesadinho da família.

– Ôche – o grandalhão olhava para os lados, tentando reconhecer o lugar em que estava. Tinha uma expressão de medo, e um fio de baba fria escorria de sua boca.

– Se acalma, vai ficar tudo bem – Asani se aproximou do grandalhão, com malícia no olhar. – Nós somos amigos, certo?

– Ôche? – Chiwanda olhou para baixo, mas também não reconhecia o leão magro e sujo em sua frente.

– Ótimo! E já que somos amigos, poderia me dar todo o seu dinheiro, para eu... Hey, para onde você vai? Volte aqui!

O Soldado saiu correndo, agitando sua cauda no caminho de volta à barraca de Tukufu. Asani ficou impressionado com a velocidade daquele enorme leão, que sumiu em um piscar de olhos.

– Maravilha – o leão encardido continuou em frente, não tendo outra opção. – Todo mundo some quando a gente pede dinheiro... Como eu pude ser tão ingênuo, achando que o Prefeito voltaria para a barraca após o discurso? Me esconder na caixa de dentes-de-leão até que foi uma boa ideia, mas agora não tenho grana nem para um nabo!

A estrada de terra irregular castigava suas patas inferiores, e depois de certo ponto não havia postes de iluminação. Apenas a luz da Lua guiava aquele leão através do breu noturno. Apurando a visão, ele andou até encontrar uma cabine telefônica pichada e desativada, ralhando consigo mesmo no caminho:

– Tudo graças àquela corça. Aquela maldita corça. Eu devia estar louco se achei que ela poderia ajudar a me vingar de Tukufu. Ele é o Prefeito dos leões, droga! O que um vagabundo e uma pilha de carne fresca podem fazer contra um governante? – Asani abriu a porta da cabine, a qual não tinha vidros e estava quase caindo. Ele se acomodou naquele pequeno espaço, sentou-se no chão e recolheu seu focinho entre os joelhos. – Foi a juba. Aquela juba me deixou confuso... ela disse que o Prefeito dos Cervos a deu para ela... Se for verdade, então...

A noite ia ficando cada vez mais fria, e o único manto disponível era tecido com dúvidas e incertezas. Aquele leão já estava acostumado a dormir com fome, de modo que não tardou a pegar no sono. Asani mal descansara seus velhos ossos quando, de repente, alguém bateu na cabine telefônica. Ele ergueu seus olhos, turvos de sono e ofuscados pela luz da manhã:

– Você não pode ficar aí, vagabundo! – alguém gritou com ele, esmurrando a frágil porta de madeira. – Anda, toma teu rumo!

Aquela não era uma situação anormal. O leão maltrapilho já estava condicionado a acordar de supetão, cutucado por adolescentes metidos a engraçadinhos ou soldados patrulhando as praças. Instintivamente Asani se levantou, apanhou um saco de estopa imaginário e saiu da cabine, afastando-se sem ao menos ver quem o expulsara.

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