Prisões confortáveis

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Os olhos da corça chisparam uma fagulha, refletindo a grande fogueira que se erguia no centro da Praça Picanha. Chiwocha deu um puxão em seu braço, irritado com sua lerdeza:

– Chega de ficar olhando para trás, caramba! Ou você começa a andar direito ou vai ser arrastado até a Prefeitura!

Abbo tentava identificar Asani, que era escoltado através da escuridão no sentido oposto, mas achou melhor não contrariar o leão uniformizado. Sempre que passavam por baixo de um poste de iluminação, a juba do Soldado ganhava um tom ruivo fosco, que lembrava muito a terra da Cidade dos Cervos. Até aquele momento, a jovem só havia visto leões com pelagem e olhos dourados, mas aos poucos foi notando certas peculiaridades entre as feras. Azizi os acompanhava: era um leão esbelto, com uma juba perfeitamente penteada, não havendo um pelo fora do lugar; andava com a cabeça erguida, e mantinha o focinho empinado ao olhar para os leões no caminho. Era o total oposto de Asani, tanto no modo de se vestir quanto na postura.

– Aqui, chegamos.

O Soldado a empurrou para dentro de um carro quadrado e sem teto. Azizi sentou no banco do passageiro, reclamando do transporte:

– Não tem mesmo nada melhor que isto? Não queria que me vissem chegando de jeep na Prefeitura.

– De repente, se você conseguir me arrumar uma reunião com o Prefeito, eu possa ver se um dos tratores da manutenção está livre.

O leão perfumado fechou a cara, não se dando ao trabalho de responder ao Soldado. Chiwocha desistiu de tentar persuadir o outro, ligou o jeep e pegou a estrada. Conforme se afastavam da praça, a ansiedade da jovem aumentava: por algum motivo, se distanciar de Asani parecia intensificar o perigo, evidenciando ainda mais a situação em que Abbo se metera.

Durante o trajeto, a Cidade dos Leões foi se apresentando aos olhos dela. Havia casas gigantescas que subiam vários andares e, conforme adentravam à metrópole, letreiros brilhantes iluminavam as ruas onde centenas de veículos corriam apressados. Placas, toldos e lojas encobriam o horizonte, e os pontos luminosos no céu minguavam, ofuscados pelas luzes artificiais. Tudo tinha cheiro de fumaça, óleo... e carne frita.

– O que está achando da cidade, leãozinho do interior?

Abbo não tinha uma resposta clara. Estava confusa e aturdida com o vai e vem, as buzinas, os carros e as propagandas luminosas refletidas nas vidraças. Muitas feras se acotovelavam nas calçadas, andando apressadamente em direções opostas como em uma caçada eterna.

– Sempre é agitado assim? – ela perguntou para Azizi.

– Parte do bando ganhou folga para que participassem do Grande Comício. Os leões daqui trabalham dia e noite, não são como os preguiçosos de onde você veio. Nós nos modernizamos, tornamo-nos criaturas superiores. Ah, chegamos!

A Prefeitura da Cidade dos Leões era completamente diferente da dos cervos: suas paredes se erguiam dezenas de metros do chão em blocos de pedra maciça; havia detalhes entalhados nas colunas que ilustravam cabeças de leões, novelos de lã e presuntos; a escadaria era como uma cachoeira branca da qual escorriam degraus negros de mármore; do mastro da entrada pendia uma bandeira rubra com o símbolo do atual prefeito, a chave do Banco dos Leões.

O Soldado estacionou o carro, depois ele e o Assistente de Tukufu desceram. Ruffles, o ratinho cinza que continuava se escondendo na juba da corça, aproveitou para trocar umas palavrinhas:

– Acalme-se, Abbo. Seu coração está acelerando em demasia! Tudo correrá bem. Aposto que o leão pulguento mentiu sobre os Soldados serem ferozes e vorazes: ao menos este sequer me notou.

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