Animais famintos

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Os dois leões esguios se decepcionaram com a reunião. Abbo se arrastou pelos corredores da Prefeitura escoltada por Azizi até o quarto no qual pernoitara, porém dessa vez o Assistente do Prefeito entregou uma chave dourada para a jovem. Leve e medíocre, era apenas um tubinho de metal sem valor comparada com o pequeno objeto prateado que seus cascos tocaram, mais cedo.

– O café da manhã já foi servido. Avisarei para que tragam o almoço, se eu me lembrar – o desânimo embebia a voz do leão perfumado. Abbo estava sedenta e faminta, nem conseguia se lembrar de quando fora sua última refeição, mas certamente não lhe trariam um cesto de beterrabas. Seja lá o que fosse servido, viria fresco e sangrando.

– Obrigado pela ajuda, senhor Azizi.

– Tá, tá. Se tiver alguma novidade eu te aviso. E mantenha a porta fechada – ele a alertou, antes de ir embora. – Alguns leões bebem pouco café à noite e costumam andar pelos dormitórios feito zumbis até achar uma porta aberta.

Quando a ponta da cauda do outro atravessou a porta, Abbo a trancou com a chave dourada. O ratinho cinza saltou de sua juba, ainda desacostumado com a pelagem abafada.

– Aparentemente não somos mais prisioneiros – Ruffles subiu na cama, limpando os olhos com suas patinhas cor-de-rosa.

– Então por que me sinto acorrentada ao mundo dos leões?

Abbo se deixou cair sobre o colchão, projetando o rato alguns centímetros para cima. Sua juba falsa escorreu da cabeça, caindo no chão do lado oposto da cama.

– Acho que você conquistou a confiança dele – o pequenino tentou alentar sua amiga. – Não pude observar devidamente por estar imerso em suas madeixas, mas sua perspicácia deixou o leão-mor mesmerizado.

– Aquilo não foi nada demais. Tukufu só precisa motivar a população a concordar com seu governo, não forçar suas ideias goela abaixo do bando. Qualquer um poderia ter sugerido isso.

– De fato – Ruffles concordou, saltitando até o focinho da corça –, mas ninguém o fez. Talvez seja proposital, e seus conselheiros o estejam influenciando.

– Aqueles dois? – a corça deu um risinho ao pensar em Salmini e Macaria. Em geral, a jovem era humilde e atenciosa, mas sentiu um enorme prazer ao se exibir para os secretários de Tukufu. – São apenas fantoches com cargos comissionados. Não têm voz ativa alguma, ou suas opiniões não seriam tão questionadas pelo Prefeito.

– Acha mesmo? Então é ainda melhor para nós.

– Como assim?

– Duvido que eles tenham chegado a tal cargo sem dispor de algum nível de confiança do Prefeito, o qual a viu sobrepujar os preceitos de seus leões. Talvez isso lhe torne mais visível perante Tukufu, e ele passe a gostar de você. Um antigo ditado diz que, para se destacar, você não precisa ser um gênio, basta estar cercado por idiotas.

– E o que acontecerá se Tukufu gostar de mim?

– Isso eu não sei dizer, senhorita – o ratinho sentou sobre as patas traseiras, apoiando-se em seus joelhinhos. – É melhor nos prepararmos para tudo.

– Ah, Ruffles... – a jovem enterrou seu focinho nos lençóis, aborrecida. – Por um minuto eu tinha posse da chave roubada de meu bando, que abre o Banco dos Cervos... Se eu tivesse fugido... Todos estão famintos na minha cidade, e nosso ouro está trancado, fora do alcance do Prefeito Tan... Que saudade daquele velho corcunda... Que saudade do meu irmão de um chifre só... Sinto falta até do nosso Sol, quieto e imóvel, no topo da Cidade dos Cervos... Meu bando está morrendo de fome nesse exato momento...

O Banco dos LeõesOnde histórias criam vida. Descubra agora