Um leãozinho esperto

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– Anda, leãozinho do interior! Bota força nesse braço!

O Sol já estava em riste, e a praça estava animada com a multidão que comprava, comia e se divertia. O fedor de carne assada e frita impregnava o ar, e a fumaça de carvão marejava os olhos de Abbo. Havia cartazes por toda parte, promovendo o governo da Cidade dos Leões, todos ilustrados com o símbolo do Prefeito: a chave prateada com cabeça de cervo na base. Bandeirolas agitavam-se ao vento, e alguns filhotes brincavam de arrancá-las com pedradas, irritando a corça-leão que trabalhara muito naqueles enfeites. Mas o que mais a incomodava era Asani, que resolvera se divertir fazendo-a pagar doces, prendas e jogos bobos, como o que ela estava sendo obrigada a jogar agora:

– Não dá, esses pinos não caem!

– Coloca força nessas patas de leão! – ele rugiu, achando aquilo muito engraçado. – Afinal de contas, você é um leão, certo?

Abbo não entendia o que estava acontecendo: há poucas horas o leão encardido a expulsara de sua barraca, depois de quase ter matado ela e o ratinho cinza de gravata borboleta... e agora parecia mais contente do que um filhote brincando com a comida. Ruffles estava certo, ela pensou enquanto se obrigava a parar de tremer. Esse sujeito é perigoso! Devo me livrar dele assim que puser os cascos na chave do Banco dos Cervos...

– É melhor obedecê-lo, senhorita – o rato Ruffles sussurrou de dentro da juba de Abbo. Estava exausto do calor, ansioso por sair e respirar ar fresco. – Esse crápula inconstante sabe que está no controle, não o contrarie.

A barraca na qual a corça jogava era uma entre várias, mas a brincadeira parecia ser justamente a mais difícil: no lado oposto ao jogador ficavam três pinos brancos, e a jovem precisava derrubar todos com apenas uma bolinha de madeira. O problema é que os pinos eram pesados demais, assim como a bolinha, e Abbo só conseguia lançá-la usando as duas patas.

– Não sei se consigo... – ela confessou para o ratinho em sua juba.

– Tente relaxar mais, senhorita. Esqueça essas bestas carnívoras ao seu redor e imagine um lugar pacífico e acolhedor, distante dessas feras. Quando se sentir confiante, atire a bolinha.

Por toda parte o bando de leões conversava, ria e rugia, como trovoadas na tempestade. Abbo não conseguia afastar sua mente desse ambiente conturbado, mas por um instante ela pôde jurar ter visto um cervo. Um cervo de verdade, jovem, com galhadas lisas e belas. Ele espreitava à sua frente, escondido atrás de uma placa de madeira em uma plantação de repolhos. De repente seu estômago farfalhou no ritmo das asas de uma libélula, e seus cascos sentiam a necessidade de atingir o cervo com uma bolinha de lama. O jogo dependia disso...

Ela atirou a bolinha de madeira, que passou pelos pinos sem derrubar nenhum. O leão gordo, dono da barraca de jogos, já estava chamando o próximo da fila quando, inesperadamente, a bolinha foi lançada de volta pela lona ao fundo e atingiu o primeiro pino. Este caiu, rolou e derrubou os dois seguintes, para espanto de Abbo, do leão encardido... e do dono da barraca, que foi obrigado a dar o primeiro brinde do dia.

– Meus parabéns – ele murmurou, estendendo um cervinho de pelúcia para a jovem. O boneco não se parecia muito com um cervo, mas ela aceitou de bom grado, orgulhosa de sua façanha.

– Quem diria – Asani se aproximou, com um grande pirulito de caramelo e mel na boca. – Nada mal para um projeto de leão – ele apanhou o boneco, sacudindo e examinando aquela pelúcia barata. – Agora que eu já vi um cervo de verdade posso dizer que isso aqui é bem falso.

A corça se arrepiou quando o leão falou aquilo em voz alta, mas aparentemente ninguém deu bola. Asani enfiou o boneco em seu bolso, cuspiu o palito do pirulito e saiu andando. Abbo o seguiu, sentindo que olhares maliciosos os acompanhavam.

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