– Ruffles! Ruffles!
– O que foi, senhorita?
– Tem... Tem areia saindo do chuveiro!
Depois de uma noite atribulada no quarto da Prefeitura da Cidade dos Leões, Abbo cedeu ao cansaço, caindo sobre a cama macia e dormindo abraçada ao ratinho cinza. Despertou durante um sonho estranho: estava andando pelos arredores de sua cidade natal, segurando os cascos do Prefeito Tan; o velho ajeitava seus chifres e balbuciava sobre a Chave dos Cervos, roubada há muitos anos por Tukufu. Sua voz soava mais áspera que o de costume, quase como o ronronar do motor de um jeep, e foi essa reflexão que a trouxe de volta ao mundo dos despertos.
Quando a luz da manhã entrou pela janela do quarto, a corça se obrigou a levantar, jogando os lençóis branquinhos para o lado. Azizi me aconselhou a tomar um banho, talvez seja uma boa ideia obedecer, ela pensou, indo ver se haviam roupas dentro do armário. O grande guarda-roupas vermelho estava vazio, não ser por um terno azul embrulhado com uma fita vermelha. Não sei se devo, este traje pode ser de qualquer um. Depois de um pequeno incentivo de Ruffles, a jovem enfiou seus cascos pelas mangas, espantada por um terno de leão caber direitinho em seu corpo fino de corça. Talvez fosse de um anão, ou de um filhote... De qualquer modo, Abbo não poderia encontrar-se com o Prefeito Tukufu vestindo seus trapos puídos. Havia um banheiro ao lado, e ela resolveu lavar os pelos antes de se trocar... porém assim que abriu o registro, jatos de areia escorreram por onde devia sair água, cegando-a e enchendo sua boca de terra seca.
– Acho que ele deveria fazer isso mesmo, senhorita – o ratinho cinza palpitou. Ele estava encima da cama, ajeitando o terno que Abbo usaria para seu encontro com Tukufu. – Sabe, os leões não gostam de água, eles se higienizam com areia fina e limpa.
– Como alguém pode tomar banho com isso? – a corça chacoalhava suas orelhas, tentando tirar os grãos que entraram em seus ouvidos.
– Acho que sai água da pia, mas não há toalhas para secar os pelos.
A jovem voltou para o banheiro. Não teria escolha, não ser esfregar areia em seu corpo para limpar os pelos. A poeira entrava por suas narinas, e ela se rendeu depois de alguns minutos, fechando o chuveiro antes que sufocasse. Foi até a pia, ansiosa por molhar o rosto, porém mais areia foi expelida pela torneira. Esses leões não gostam mesmo de água! Aposto que, se pudessem, beberiam areia!
Com a boca seca e a garganta queimando, a jovem voltou-se para a cama, encarando com desgosto o traje que usaria:
– Ainda não me parece correto. Nunca usei um terno em toda minha vida, ainda mais um terno que não é meu. O dono disto pode ficar chateado.
– Ora, o que estas bestas que comem carne poderiam fazer para repreendê-la?
– Não sei – Abbo lançou um olhar irônico para seu pequeno companheiro. – Talvez... comer a minha carne?
– Se isso acontecer é melhor estar vestida para o jantar, não acha?
Primeiro a corça vestiu a camisa branca de mangas compridas, que ficou bem larga sobre seu peito. Em seguida experimentou a calça, que só parou em sua cintura quando a jovem atou a cinta. Por fim Abbo vestiu o terno azul marinho, que era um tanto mais justo e disfarçou a camisa larga.
– Não esqueça da gravata, senhorita – Ruffles arrastou pela cama o acessório comprido de pano, listrado de cinza e preto na diagonal. – É uma gravata com prendedor, só precisa fixar ela na gola da camisa.
– Como você entende tanto sobre essas coisas?
O ratinho ajeitou sua própria gravatinha borboleta azul, alinhando-a em seu pescoço.
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O Banco dos Leões
AdventureUM CAPÍTULO NOVO TODOS OS SÁBADOS! ^^ - Há muitos anos, o General do exército leonino, Tukufu, roubou a chave do banco da Cidade dos Cervos, que hoje sofre com uma grande crise econômica. Nos dias atuais, os cervos convivem c...