Chifre-esconde

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O Sol pálido da Cidade dos Cervos iluminava as plantações de repolho ao sul. Os acres de terra fofa estavam pontilhados por pequenas esferas de folhagem verde-clara, e, no meio dos campos arados, um cervo espreitava.

Estava agachado, escondido atrás de uma placa de papelão que dizia Safra da Primavera, a cabeça baixa e as orelhas atentas. Embora jovem, ele já possuía uma galhada: era leve e tinha poucos ramos, uma galhada juvenil lisa e brilhante. O cervo enterrou os cascos superiores na terra molhada, esmagando-a e fazendo uma bolinha. Depois arriscou uma olhadela através de sua cobertura, temeroso de que seus chifres o entregassem: ao seu redor só havia cercas, divisórias e repolhos; algumas estacas de madeira esticavam arames, separando as safras da plantação; ao longe, subia fumaça branca da chaminé na cabana do fazendeiro. Mesmo com a calmaria momentânea, a dor no focinho do rapaz confirmava a real e iminente ameaça: o inimigo estava próximo.

Ele apertou com força os cascos, compactando ainda mais a bolinha de barro. Um galho se partiu ali perto, entre as folhas de capim-santo. O jovem se virou, erguendo suas orelhas, atento a qualquer movimentação suspeita. Depois farejou o ar procurando isolar os cheiros da relva, da terra molhada e do inimigo. Sua vida dependia dos seus sentidos.

Uma moita se moveu de forma suspeita, deixando-o sem opção: ele se levantou, tomou impulso e atirou a bolinha de barro, que zuniu e acertou algo atrás da folhagem.

– Ai! Aiê!

Um filhote de corça saiu de seu esconderijo, afastando as folhas de capim-santo com seus pequenos cascos. Tinha a cara escura do barro que a atingira, e suas perninhas estavam sujas de terra até os joelhos.

– Há! – o cervo gritou, erguendo os braços em comemoração. – Outra vitória da caça! Esse predador não é de nada!

Os olhos da pequena corça se encheram de lágrimas. O filhote tentou se limpar com os nós dos cascos, espalhando ainda mais o barro e enchendo os olhos de sujeira.

– Você jogou muito forte! – ela gritou.

– Joguei nada, é que você é um bebê chorão!

O jovem se arrependeu do que disse: a pequena corça tapou o rosto e começou a berrar, chorando torrencialmente. Essa não, é agora que o papai me mata a golpes de rédea!, ele pensou. Tratou logo de amparar a pequena, que se recusava a receber seus carinhos.

– N-nunca mais... vou brincar... com você! – ela soluçava. Seus olhos ardiam com o barro, e sua visão estava turva.

– Não diga isso, me desculpe – o cervo tentava remediar a situação. Apanhou-a no colo, limpando seu rostinho com a manga de sua camisa de algodão azul. – Mas você também me acertou, bem no focinho... E eu não estou chorando.

O filhote aumentou o berreiro, afastando o focinho do garoto que a amparava.

– Eu vou... Eu vou... C-contar tudo para o papai!

– Abbo, calma aí – a simples menção de seu pai fez seus pelos se arrepiarem. Se o grande e forte cervo soubesse que sua filhinha caçula apanhara do irmão mais velho, arrancaria seus chifrinhos na base da vara de marmelo. – Não precisamos contar para o papai! Deixa eu limpar você, depois eu lavo seu vestido e pronto! Novinho em folha!

– Vou contar para ele! Você não sabe brincar, Abuu!

– Me desculpa! Eu me empolguei... Olha aqui, viu? Já está limpinha! Só falta a gente encontrar seu sapato.

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