O bando forte

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Muitos já se reuniam em frente ao palanque no coração da Praça Picanha, aguardando as atrações do fim de tarde: alguns mágicos fariam um truque de serrar um pernil ao meio; mímicos apresentariam um show de novelos de lã invisíveis; malabaristas jogariam ratos entre si, terminando o show com um atirando os malabares na goela do outro. Obviamente nada disso interessava à corça, que aguardava do lado de fora da tenda do Organizador de Eventos enquanto Asani recebia seu pagamento. Quando o leão saiu contando o dinheiro, eles seguiram para as barracas dos funcionários, onde estavam as coisas do leão encardido.

– Não precisa me acompanhar o tempo todo – ele disse, incomodado com a presença da corça camuflada.

– Hoje cedo você não queria desgrudar de mim.

– Verdade, mas agora eu tenho dinheiro. Podemos nos ver só mais tarde, quando meu padrinho subir no palanque.

– Mas aí será tarde demais! – a corça atravessou o caminho de Asani, cansada daquele comportamento. – Temos que planejar como roubaremos a chave!

– Ah, esse papo de novo? – o leão rosnou, empurrando Abbo para o lado e seguindo seu rumo. – Você ficou o dia inteiro falando sobre isso. Estou cansado, vou tirar um cochilo antes que desmontem minha barraca. Pode ser o último teto sob o qual eu durmo, é melhor aproveitar.

Desde que deixaram o filhote pintor para trás, Asani desistira de se aproveitar do dinheiro da corça. Sem dúvidas Abbo se assustou quando o leãozinho descobriu que ela usava uma juba falsa, mas isso não era razão para se apavorar: os dois se levantaram calmamente antes que o pequeno a pintasse; a jovem pagou pelo serviço da criança, oferecendo uma nota verde quadrada; depois foram embora sem olhar para trás. Só isso. Que mal pode haver em um filhote escravo de Tukufu saber que existe um leão careca no bando? Devo admitir que aquele leãozinho é muito esperto, pensou a jovem.

– Acho que está me evitando porque tem medo de enfrentar o Prefeito dos leões – Abbo concluiu enquanto Asani recolhia suas roupas e outras tralhas para dentro de apenas um saco de estopa. O leão parou o que estava fazendo para responder à corça.

– Com certeza. E se você fosse mais esperta também estaria.

– Mas então... Como vamos roubar a chave?

O leão bufou, abandonando a ideia da soneca vespertina. Ergueu o saco de estopa sobre o ombro, saiu da barraca e não olhou para trás. Abbo o seguiu, sendo alertada por Ruffles:

– Ele está indo embora. Não teremos ajuda desse felino.

– Eu não disse que não ajudaria – Asani respondeu ao comentário do ratinho. – E eu consigo te ouvir cochichar, petisco.

– Mas então por que viras as costas para a senhorita Abbo? – Ruffles ergueu a cabeça para fora da peruca de leão, certo de que não tinha ninguém os observando.

– Eu vou ajudar essa corça porque odeio meu padrinho. Mas não vou entrar de cabeça em uma missão suicida. Não quero virar sabão.

Havia poucos leões nas barracas de equipamentos elétricos. Dois cuidavam das caixas negras que ainda seriam montadas sobre o palanque, enquanto outro abria um pacotinho azul assustador cujo farfalhar fez Ruffles amuar dentro da peruca de Abbo. Mais à frente, uma tropa de Soldados com uniformes azuis cercava uma grande tenda de lona amarela, todos armados com cassetetes e lanças bem afiadas. Asani seguiu em frente com a jovem em suas costas, até que sete Soldados os cercaram, um deles apontando sua lança prateada para o pescoço do leão encardido:

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