De volta outra vez

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O Gabinete da Prefeitura estava trancado há horas. Dentro dele, os Secretários da Cidade dos Leões se reuniam, juntamente com outros membros da gestão temporária. Dois dias haviam se passado após do desastroso evento que foi a abertura do Banco dos Leões, e o bando que ansiara cravar os dentes em carne de cervo estava em polvorosa.

– Não dá para adiar mais – um dos leões presentes apontou. – O bando está pressionando muito! Precisamos de um novo Prefeito para colocar ordem na cidade!

– Mas quem? – outro Secretário retrucou. – Tukufu não deixou herdeiros, e não há leão burro o bastante para assumir a Prefeitura diante da revolta popular!

– Deem os cervos para eles! – um terceiro sugeriu. – Deem todos os cervos do banco!

– Você viu, estávamos todos lá. Tukufu levou a chave consigo quando... quando... oh, presa que... fico enjoado só de lembrar...

De repente, um leão velho e decrépito ergueu sua pata ossuda para tomar a palavra:

– Eu assumo a Prefeitura. Se assim desejarem, colegas de Gabinete.

Nenhum dos presentes gostava da ideia de Kitunzi ser o novo Prefeito dos leões, mas ninguém parecia ter coragem de rejeitar o leão com sobretudo preto. De repente um leão de terno azul-celeste se levantou, interpondo-se entre ele e os Secretários:

– Cavalheiros, sejamos francos – Azizi levou a pata esquerda ao peito, gesticulando com a direita na direção do velho. – Este... Este senhor não tem os pré-requisitos de um macho alfa, especialmente os que importam em um governante.

– Sou o dono da Fábrica de Sabão, Assistente...

Ex-dono – o leão perfumado virou o focinho para o lado, debochando do velho assustador. – Pelo que soube todos os seus prisioneiros foram libertados pelos revoltosos, hoje de manhã. E só pelo fato de sua máquina grotesca ter arrebatado meu... digo, nosso querido Prefeito, devíamos ter mandado executá-lo.

O leão de juba penteada parecia decidido a não deixar Kitunzi ganhar mais poder na Prefeitura. Os leões presentes se entreolhavam, cochichando e ponderando sobre o assunto.

– Então o que propõe, senhor Azizi? – um Secretário perguntou.

– Não é óbvio? – outro respondeu, com raiva no olhar. – Ele quer que o apresentemos como novo Prefeito!

– O quê? Azizi será Prefeito? – um terceiro ergueu sua sobrancelha, duvidoso.

– Cavalheiros, acalmem-se – Azizi gesticulou com suas patas espalmadas. – Embora me doa saber que apenas eu seria capaz de dar continuidade ao mandato de Tukufu, preciso aceitar o fato de que não sou benquisto pelo bando - ao menos não pela maioria dele. Porém eu gostaria de apresentar uma alternativa. Alguém popular, rústico e com os devidos dotes de um macho alfa: Asani.

Vários leões riram como se aquilo fosse uma piada, outros rosnaram em reprovação. Apenas um ou dois realmente ponderaram sobre. Kitunzi lançou um olhar sombrio para o leão perfumado, imaginando se ele realmente falava sério.

– Desculpe-me, senhor Assistente do Prefeito-sabão – o leão carcomido coçou seu queixo pelancudo. – Espera mesmo que o comitê vote no indesejável? No filho do traidor?

Azizi torceu o focinho, como se as palavras do velhote fedessem. Em seguida andou até as janelas, cujas cortinas estavam cerradas.

– Espero que o comitê abra seus olhos! – ele agarrou uma aba da cortina, puxando-a e deixando a claridade diurna entrar. Os leões na escuridão primeiramente reclamaram e rosnaram, mas depois se calaram diante da visão de centenas de protestantes do lado de fora, rugindo e gritando ordens, erguendo faixas de protesto ou com os punhos em riste. – O povo não vai aceitar outro velho carcomido e conservador, eles querem as mudanças prometidas! Eles querem sangue novo. Olhem, olhem as placas! – Azizi se referia a sete ou oito letreiros de "Libertem o herdeiro para um governo verdadeiro!" e "Vote e Proclame - Prefeito é Asani", espalhados pela multidão. Obviamente todos foram implantados pelo leão perfumado, mas isso ele não diria... Com isso e com as leoas no trem já gastei uma fortuna, mas tudo valerá a pena: só é preciso saber onde apertar.

O Banco dos LeõesOnde histórias criam vida. Descubra agora