Rua Trevo. Travessa Agrião. Rua Hortelã. Era bom ver nomes de lugares que não tivessem relação com carne, porém tudo estava deserto, como se não houvesse mais cervos no centro da cidade. Eles devem estar se escondendo, assustados e famintos demais para sair à luz do dia. As coisas estão indo de mal a pior, preciso pensar em como ajudar meu bando, Abbo repetia mentalmente toda vez que via uma loja de saladas ou uma bicicletaria abandonadas.
A Praça Repolho estava bem à sua frente. A grande rotatória, antes movimentada, era apenas um deserto circular agora. A grama não crescia em parte alguma, provavelmente comida até a raiz. Havia uma carroça cheia de malas e embrulhos na frente do prédio da Prefeitura dos Cervos: eram os pertences de Tan. O antigo local de trabalho da jovem nunca lhe pareceu vistoso, e, agora que vivera e trabalhara na Prefeitura dos Leões, o pequeno prédio se tornara ainda mais pacato. Ela subiu os poucos degraus, entrando pela porta da frente e tentando adaptar sua vista à escuridão interna.
– Tan! Tan, você está aí? Sou eu, a Abbo!
– S-senhorita – o ratinho dentro da bolsa a tiracolo chamou a corça –, tem algo errado aqui. Tome cuidado.
– Do que você está falando? – a jovem já subia pela conhecida escadaria, desacostumada com os degraus estreitos, feitos para os pequenos cascos dos cervos.
A porta da sala do Gabinete estava entreaberta. Abbo a cruzou, chamando por seu chefe. Lá estava a silhueta de um velho corcunda de costas para os recém-chegados, olhando para a Praça Repolho lá embaixo, como sempre fizera.
– Ah, Tan – Abbo correu em sua direção, parando quando o ratinho cinza guinchou em sua bolsa. – Está tudo bem, Ruffles, não precisa ter medo, ele é de extrema confiança. Prefeito Tan, eu voltei! Prefeito?
O velho parecia hipnotizado. Seus chifres tortos pendiam para a direita, e, embora a corcunda subisse e descesse com sua respiração, ele não se movia. A jovem correu para amparar seu chefe e amigo, mas Ruffles silvava e se debatia dentro da bolsa, a cada passo. De repente o ex-Prefeito se virou, notando que não estava só.
– A-Abbo? É você mesma?
– Sim, Tan!
– Isso não é um sonho? Eu... estou acordado?
– Está – a corça chorou, saltando para os braços fraternos do velhote.
Tan tinha mais rugas em seu rosto do que no dia em que a jovem partiu, fora isso estava fisicamente bem. Ele abriu um sorriso torto para sua ex-Secretária, como se estivesse desacostumado a ser feliz.
– É tão bom te ver novamente, docinho.
– Digo o mesmo, senhor. Soube pelo que vocês têm passado, mas não sei se as notícias que trago são das melhores.
– Eu juro que pensei que a tivesse perdido para os leões...
– Mas não perdeu, senhor – Abbo achou graça da incredulidade do ex-Prefeito. – Eu preciso te contar as coisas que aconteceram, e as que ainda estão por vir...
– Como está a Cidade dos Leões? Estão cuidando bem dela?
– Ela... está bem, na verdade... Mas o importante é que recuperei a chave, Tan!
– Ah, isso é ótimo, docinho! Muito bom, mesmo! – as bochechas de Tan se esticaram um pouco mais.
– Só que não poderemos usá-la. Eu... descobri que não existe um Banco dos Cervos, ele é apenas a face oposta da entrada do Banco dos Leões, dentro do qual fica nossa cidade...
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Banco dos Leões
PrzygodoweUM CAPÍTULO NOVO TODOS OS SÁBADOS! ^^ - Há muitos anos, o General do exército leonino, Tukufu, roubou a chave do banco da Cidade dos Cervos, que hoje sofre com uma grande crise econômica. Nos dias atuais, os cervos convivem c...