O monstro de metal

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Os dentes metálicos rangiam e silvavam, apavorando a pobre corça despida de juba içada sobre tal maquinário. Desorientada, Abbo gritava por ajuda mas as engrenagens enferrujadas abafavam seus berros, e estava longe dos ouvidos de qualquer um interessado em salvá-la. A figura do General pairava ao seu redor como uma sombra viva, ameaçando-a com suas palavras:

– Seu filhote pintor se mostrou mais esperto do que eu esperava – Balogun falava calma e mansamente, como se degustasse cada um de seus feitos. – Se eu soubesse que tinha tal talento em minhas patas, jamais o teria entregado para Azizi presentear o Prefeito. Engenheiros armamentistas levam semanas para dominar uma cortadeira automática, mas aquele leãozinho só precisou de uma hora... Ele é perfeito.

– Como... Como você...? – Abbo sentia uma enorme pressão na cabeça, e o sangue escorria por seu focinho. O tabefe que o General lhe dera chacoalhou seus miolos, e seus braços foram presos às costas com amarras pelas quais estava suspensa.

– Só precisei ver os retalhos de prata em meu Arsenal. O contorno rústico de uma chave com cabeça de cervo... Aparentemente ele não descobriu como usar a torneadora, então limou as arestas manualmente – Balogun agarrou a corça pelas orelhas compridas, puxando-a para perto de seus dentes. – Como ficou o resultado final, heim? Ela está com você, ou já fez a troca?

– Não... ah! Não sei do que está falando.

– Não minta para mim! – o General apertou os dedos, esmagando as orelhas da jovem. – Venho te acompanhando há muito tempo, leãozinho. Você se aproximou devagar do Gabinete de Tukufu, ganhando sua confiança aos poucos... mas eu não compreendi seus planos até retirar sua peruca – Só então Abbo notou que estava sem a juba do pai de Asani. Através dos óculos escuros o militar viu o pavor da jovem, o que o alegrou ainda mais. – Tukufu é um leão quebrado, é a única explicação para que ele tenha uma corça trabalhando em seu Gabinete.

Corça! Ele me descobriu! Não há mais escapatória... Acabou...

– Devo confessar que também não a reconheci de primeira, corça-leão – o general continuou, chacoalhando sua cauda tal qual um filhote ao brincar com a comida. – Sabe, eu não sou tão jovem... mas eu era, quando o antigo Prefeito comprou o carregamento de cervos. Estava na primeira fila, vendo as carroças encherem o Banco dos Leões, e mesmo não podendo vê-los eu sentia seu cheiro. – Balogun aproximou seu focinho do pescoço comprido da corça, farejando-o. – Sempre fui um bom farejador. Não, você não tem cheiro de cervo. Não é à toa que passou despercebida esse tempo to...

O leão foi interrompido por uma cusparada em sua fuça. Abbo atingiu o General sem pensar duas vezes, não prevendo um momento mais propício para extravasar sua raiva daquelas feras.

– Acha que me assusta? – a jovem gritou, quase um rugido. – Já aturei leões raivosos para uma vida toda! A verdadeira chave está longe daqui, com um ratinho que escondia em minha juba. Você jamais colocará suas patas no meu bando!

– Não ligo para a chave de Tukufu – Balogun limpou seu focinho calmamente. – Quando eu tomar seu lugar mandarei os técnicos a reconstruírem! Se eles fizeram uma vez, podem fazer novamente!

– Técnicos? – Abbo riu na cara do General, enraivecendo-o. – Eu procurei tais técnicos por toda parte... Eles não existem.

– O quê?

– É complicado – a corça ironizou, zombando da meia expressão do leão frustrado. – Meu amigo e Prefeito dos cervos disse que o General dos leões roubou a chave do nosso banco... Mas Tukufu disse que o antigo Prefeito dos Leões se trancou com a chave dentro do banco, para comer os cervos sozinho... Se quer minha opinião, Tukufu sempre esteve com a chave, e se livrou do pai de Asani para assumir seu cargo.

O Banco dos LeõesOnde histórias criam vida. Descubra agora