Abbo estava orgulhosa de si.
A reunião com o Secretário do Transporte havia sido a coisa mais chata que a jovem fizera na vida, mesmo comparada às aulas de História da Galhada do Ensino Médio. O Secretário era um leão de meia idade, assim como Asani, mas falava com um tom muito monótono, e seu casaco tinha cheiro de naftalina. Tudo isso somado à tediosa história da Revolução Industrial Leonina entorpeceu Abbo em menos de meia hora.
De certo modo a corça tinha que admitir: aquele leão era o Secretário mais dedicado e bem informado da Prefeitura. Ele sabia todos os detalhes do transporte público da cidade, inclusive sobre as propagandas da Ruffles nas estações de trem: cartazes com a silhueta de um leão comendo um rato, como o que ocultava a passagem secreta para o interior do Banco dos Leões, só foram instalados em três estações, e duas delas já tinham colado novas propagandas encima das antigas há anos, de modo que Abbo só podia ter atravessado...
– O cartaz da Estação Acém! – ela disse para Asani, enquanto o observava limpar uma privada de areia no banheiro do térreo. – Quando Tan me mandou seguir o cabo maior, no túnel subterrâneo...
– Me passa o esfregão – o leão interrompeu. Estava tão sujo como sempre, mas pelo menos tinha roupas novas: um macacão jeans e camisa regata branca, ambos encardidos. – Tan é o seu irmão, não é isso?
– Não, Tan é o Prefeito dos cervos. Pare de interromper. Então, ele me mandou seguir o cabo maior porque levaria ao gerador elétrico dos leões... Só que a usina foi movida para o interior há trinta anos, afim de dar lugar para as novas linhas de trem.
– Interessante – o leão encardido mentiu. – Se Tan não é seu irmão, quem é Taha? E passa o esfregão.
– Não interessa quem é o Taha. Quer dizer, interessa sim... ele é um grande amigo... mas não tem nada a ver com...
– Eu tenho um trabalho a fazer, corça. Agora, se não vai me dar o esfregão, saia daqui. Vai ver se Tukufu não precisa trocar a frauda ou coisa parecida.
Abbo voltou da reunião ansiosa por dividir o que descobrira com Asani, imaginando que o ânimo do leão se renovaria, juntamente com a possibilidade deles roubarem a chave de seu padrinho. Foi direto para a Recepção perguntar onde ele estava: "O senhor Asani? Ele está limpando as caixas de areia do térreo", o jovem do balcão de informações respondeu. "Ele é afilhado do Prefeito, mas possui o pior emprego da Prefeitura, talvez de toda a Cidade dos Leões. Não sei o que os mais velhos tinham contra ele, a simples menção de seu nome me dá repulsa... porém espero que ele esteja bem. Esse ofício não deixa espaço para orgulho, é demais para qualquer leão". Infelizmente a jovem corça sabia que aquilo não era um exercício de humildade, mas sim um castigo imposto por Tukufu. O Prefeito dos leões não recebeu o filho do traidor de braços abertos, pelo contrário: quando o leão encardido adentrou a Prefeitura, recém-trazido da Fábrica de Sabão, os soldados o levaram à presença da corça-leão e de seu padrinho, o qual estampava feições de ódio e repulsa na face. "Seu amiguinho aqui me convenceu de que era o melhor a fazer... ao menos melhor que uma dieta", o Prefeito disse, desembainhando uma faquinha de rocambole do bolso. "Mas não pense que me esquecerei da audácia de seu pai. Você, filho do antigo Prefeito... filho do traidor... ainda ostenta algum orgulho?". E então Tukufu agarrou Asani pela juba, puxando sua cabeça para trás. "Veremos. Assim como eu tive duas opções, também dou as suas na mesma quantia: ou eu arranco sua juba agora – e perdoo suas dívidas e a do seu pai para com o bando... ou irá trabalhar como Areeiro na Prefeitura, limpando a sujeira do mais baixo dos leões até a do Prefeito".
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Banco dos Leões
AdventureUM CAPÍTULO NOVO TODOS OS SÁBADOS! ^^ - Há muitos anos, o General do exército leonino, Tukufu, roubou a chave do banco da Cidade dos Cervos, que hoje sofre com uma grande crise econômica. Nos dias atuais, os cervos convivem c...