Acólitos Inusitados

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O clima estava tenso entre os convidados daquele almoço. O Economista limpava discretamente a baba que lhe fora disparada no queixo, enquanto o Sociólogo puxava a juba para perto do focinho, arrancando alguns pelos. Como Tukufu não mandara os recém-chegados se sentarem, a corça camuflada e o leão perfumado se mantinham estáticos, como duas estátuas bizarras no meio da sala de jantar.

– D-dieta? – Abbo concordava plenamente com os secretários: o Prefeito precisava emagrecer. Um governante gordo é uma ofensa para um bando que trabalha o dia todo, pulando o almoço para conseguir pagar os impostos. Obviamente a corça não deu essa resposta ao leão-mor. – Eu... Eu acho que deve haver uma opção mais fácil, senhor.

– Então está dizendo que eu não conseguiria fazer uma simples dieta? –Tukufu comia um bife mal passado, tão grosso quanto a coxa de um cervo. Ele arrancava nacos da peça de carne com os próprios dentes, ignorando o garfo e a faca sobre a mesa.

– Não, não é isso! – o Sociólogo se interpôs na conversa, visivelmente abalado com aquela discussão. – O senhor é perfeitamente capaz de emagrecer e perder um pouco de cintura... É só que...

Tukufu ergueu sua enorme pata de leão e deu um tabefe tão forte no Secretário que ele voou da cadeira, caindo a dois metros dali. Abbo levou os cascos à boca, assustada e aliviada ao mesmo tempo: Esse tapa era para mim... Se eu o tivesse recebido, não sobrariam dentes na minha boca! E de fato o Sociólogo Macaria cuspiu alguns dentes no carpete, embebidos em sangue. Céus... Eu preciso me manter concentrada! Não há ninguém que possa me defender desses leões... ninguém em que eu confie, nesta cidade... Somos apenas eu e Ruffles...

– Deve haver outra maneira – Tukufu voltou a falar, aparentemente mais aliviado depois de surrar seu subordinado. – Outro método para que o bando não pense que sou tão agressivo... – os olhos da corça estavam fixos em Macaria, que se debatia no chão, espalhando sangue com sua juba cinzenta. – É assim que eles devem me ver: um leão amigável, bonzinho, confiável... Quase um vegetariano.

– Um leão confiável... vegetariano? – Abbo repetiu para si mesma, em voz alta. A imagem de alguém assim lhe veio à mente, um leão encardido, que poderia tê-la entregado para os Soldados na barraca de Tukufu durante o comício... mas não o fez.

– Pensou em algo, leãozinho do interior? – o Prefeito quis saber, enquanto raspava com o dedo a gordura fria do fundo de uma travessa de linguiças.

– E-eu... não sei ao certo, senhor – a jovem estava desconcertada pelos cheiros asquerosos daquele ambiente. Qualquer coisa poderia acontecer dali para frente: quanto mais ela trabalhasse ao lado do leão barrigudo, mais perto estaria da morte. Ninguém a protegeria mais do que protegiam Macaria, que jazia só no canto que tombara, tentando se recompor. Precisava garantir sua segurança. Precisava de alguém que conhecesse Tukufu, que a alertasse acerca do perigo e, quando este viesse, a protegesse.

Foi então que ela notou mais alguém na sala de jantar. Seus olhos foram içados para a extremidade esquerda da grande mesa, onde um leãozinho trabalhava. Por um segundo Abbo pensou que seria Kitunzi, o fabricante de sabão, mas era apenas um filhote, parcialmente oculto por uma pilha de argila fresca. O Prefeito viu a corça-leão desviando o olhar, então baixou a coxa de peru assado para exibir sua bela posse:

– Ele se chama Ghofiri. É um filhote de uma viúva qualquer, e a melhor coisa que Azizi já fez pelo seu chefe – o leão-mor apontou para seu assistente ao lado de Abbo, que deu um sorrisinho em agradecimento. – Esse garoto pinta e esculpe como ninguém, usufruo dele sempre que posso para registrar a grandiosidade da Cidade dos Leões... e de seu líder, claro.

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