Vermelho

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– Falta um pouco de vermelho.

O filhote de leão estava quase concluindo um trabalhoso desenho de sua casa, quando notou uma falha crucial em seu trabalho: tinha dado vida ao céu, usando um azul brilhante e vívido; preenchera o jardim com belas flores dentes-de-leão douradas; também adornara a varanda com os vasos de tulipas e as duas cadeiras de balanço, tão velhas quanto o restante da mobília de sua mãe. Mesmo com essa riqueza de detalhes, o essencial ainda faltava, o objeto que o motivara a pintar aquela paisagem: a boina vermelha de seu pai.

Ghofiri ergueu os olhos, dando por falta de tal objeto. A boina sempre ficava no mesmo lugar, sobre a cadeira da esquerda onde seu pai costumava repousar nos fins de tarde. Seu olhar austero e respeitoso pousava sobre o Sol poente, um ritual quase que sagrado para a fera de cabelos ruivos. Para o pequeno filhote, sentar-se no colo do pai enquanto o imponente leão fumava cachimbo era a lembrança mais aconchegante de todas. Lembrava-se de ver o pai soltar fumaça como uma locomotiva, e o cheiro do tabaco ainda estava vivo na mente da criança, embora a cadeira não fosse mais ocupada.

Tudo fora tão rápido... Ghofiri só recordava de alguns momentos do acontecido. Podia se lembrar de seu pai acamado, de pessoas estranhas entrando e saindo de sua casa, de um abraço frio e angustiante... e de sua mãe chorando sobre um leão desacordado.

O filhote largou o desenho de lado, caindo para trás e se esticando sobre a grama quentinha. Há pouco mais de um ano não havia mais diálogo entre o leão e o Sol, nem baforadas de charuto, e, pelo visto, também não havia mais boina sobre a cadeira de balanço. Nuvens redondas e fofas pairavam, lá no alto, seguindo vagarosamente o caminho do vento. As coisas estavam mudando, e o leãozinho não sabia se isso era bom ou mau.

– Querido, vai ficar aí o dia todo?

O filhote ergueu o focinho, dando de cara com sua mãe, uma leoa de meia idade e avental branco como as nuvens. Ghofiri ergueu as patinhas, apertou firme nas dela e puxou para se levantar.

– Estava desenhando.

– Verdade? – ela colocou as mãos na cintura, admirada. – Deixe-me ver.

O filhote ansioso entregou o caderno de capa flexível para sua mãe. A expressão de surpresa e felicidade no rosto dela o deixou tão contente que seu rabinho não parava de balançar:

– Mas é... É a nossa casa? – ela alisou o papel com sua pata. Quase podia sentir a textura da madeira na varanda, dos vidros nas janelas e da grama no jardim. O pequeno desenhara um céu tão belo que quase dava para ver as nuvens se movendo. – Isso é lindo, Ghofiri! Ah, com certeza eu ganhei meu dia! Sabe, seu pai se orgulharia tanto... Ele ficaria lindo neste desenho, sentado em sua cadeira.

O filhote adorava os elogios da mãe. Ela o abraçou e beijou muito, acariciando sua cabecinha vermelha. Aos quatro anos, um leão é tão calvo quanto uma leoa, pois os primeiros sinais de sua pelagem característica surgem apenas na adolescência. Ghofiri se lembrava do vermelho e dourado que permeava a juba de seu pai, mas não conseguia reproduzir nada parecido. De fato, não conseguia se lembrar do rosto e feições do leão da varanda. Da boina vermelha e da fumaça de charuto sim, mas não de seu rosto.

Sua mãe o levou para dentro. O interior da casa deles era muito simples: a porta da varanda dava na cozinha, onde uma cafeteira aquecia água. À frente havia uma lavanderia e o banheiro, e escadaria a cima ficavam os quartos. Uma vez o filhote ouvira sua mãe dizer que os leões da cidade moravam em casas sobre casas, e que precisavam subir vinte escadarias para chegar aos seus quartos. O leãozinho não conseguia entender o porquê disso: por que morar sobre as casas dos outros, quando se pode ter uma casa só sua, com jardim e varanda?

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