Leão falso

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Ela tocou sua cabeça, alisando os pelos de sua testa. Estava sem juba.

Aos poucos conseguiu afastar os pensamentos de sua infância, recordando o embate na tenda das fitas... o confronto na barraca de descanso... e Ruffles, o ratinho cinza de gravara borboleta que encontrara um triste fim ao tentar salvá-la. Um amargor subiu pela sua garganta, forçando lágrimas remanescentes a escorrerem por seus olhos vermelhos.

– E então? – o leão encardido rosnou, alisando a pata onde a corça o mordera. – Vamos, diga.

A jovem fez força para se levantar. Seu tronco doía onde Asani cravou suas garras, e ainda estava entorpecida pelo tanto que fora sacudida. Mesmo atordoada, ela mantinha os olhos fixos na fera, alfinetando-a com seu ódio.

– Não vai falar? Tanto faz, na verdade.

Asani ergueu a pata na direção da corça. Suas garras passaram bem perto do rosto de Abbo, que fechou os olhos esperando o pior. Porém o leão apenas puxou a peruca-juba de atrás da cabeça dela.

– Onde você conseguiu isto? – Ele perguntou, abanando o amontoado de pelos. Depois saltou sobre a jovem, sacudindo-a pelos ombros, irritado por não obter resposta alguma. – Não me faça de bobo, sua pilha de carne ambulante! Acha que pode vestir uma juba e sair desfilando pela Cidade dos Leões? Heim? Acha que tem o direito de usar os pelos dele? Você não é nada, menina! Eu te mato agora mesmo, se eu quiser, e ninguém vai se importar! Fala logo, quem foi que te deu isto?

A jovem lutava para tirar o leão de cima, mas ele era forte e pesado demais, e suas patas a prendiam com firmeza. Asani a chacoalhava com muita violência, parecia que a qualquer momento a cabeça dela ia voar de seu pescoço fino e comprido.

– Fala! Fala!

– Deixe-a em paz! Você disse que não a machucaria!

Uma voz aguda gritou, vinda do além. Em seguida, uma bolinha de pelos cinza saltou sobre o peito de Abbo, se interpondo entre ela e seu agressor:

– Ninguém está machucando ninguém. Caia fora, petisco!

– A senhorita Abbo falará quando estiver disposta a tal.

– Se quer tanto assim morrer eu posso dar um jeito, depois. Agora some!

– Grosseiro! Salafrário! Mentecapto!

– Babaca!

– Chega disso! Chega! – Abbo interrompeu a troca de agressividades, tentando assimilar o que estava acontecendo. Ambos, leão e rato, voltaram seus olhares para ela, indignados. – R-Ruffles? Você... está vivo?

– Eu também não compreendo o todo, senhorita – o ratinho apalpou o próprio corpo, aparentemente intacto. – Por alguma razão fui poupado por esta besta prosaica.

– Todo mundo erra – o leão encerrou o assunto, cansado de conversa fiada. Depois sacudiu a corça, retomando o controle da situação. – Agora fala: quem te deu a juba do meu pai?

Abbo não acreditava no que acabara de ouvir, mas a raiva estampada no rosto de Asani revelava o quão séria era a situação. Mesmo que quisesse responder, questionar ou fugir da acusação, ela não conseguia formar palavras que correspondessem àquela revelação.

– Espere um pouco – Ruffles sacudiu as orelhinhas, confuso. – Você furtou a juba do pai dele?

– N-não! –Abbo recuperou a voz. – Essa juba era do Prefeito da Cidade dos Leões!

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