11,00... 11,50... 12,00...
As moedas a frente dele eram postas em um pote de metal, incluindo as de menor valor. Nenhuma cédula. O dia tinha sido mais uma vez difícil e Jack não precisou esperar muito para que a mãe aparecesse no quarto e o confortasse:
- Boa noite, querido... - ela segurava um prato de geleia de morango. Passou a mão nos cabelos negros e sentou-se ao lado do filho. - Não se preocupe. Tudo vai se resolver, eu prometo.
Jack sabia muito bem da forma tranquilizadora e despreocupante que a mãe falava sempre que tinha algum problema. Ele estava crescendo e sabia mais do que qualquer pessoa que financeiramente seu pai não podia mais sustentá-los como antes.
- Tudo bem, mamãe. Todos estamos juntos. - ele sorriu e deixou Mandy orgulhosa pela compreensão. - Já jantaram?
- Não, querido. Acabei de pôr a mesa. Pensei que...
Antes que Mandy terminasse o pensamento, Jack a interrompeu, pondo as economias do dia de volta no pote azulado:
- Não, eu irei jantar.
- Que bom, Jack. Eu fico feliz com isso. - ela levantou-se com a geleia de morango dançando no prato e aguardou o filho. - A geleia está uma delícia!
- Que bom, mamãe. Comemos após o jantar, eu prometo. - disse, um sorriso transparecendo em um rosto cansado.
Após o jantar, Jack fez questão de lavar a louça e arrumar a mesa. O pai, Michael Field, estava assistindo TV e a irmã, Clarice, estava conversando com o namorado ao telefone. Mandy costurava peças para entregar no dia seguinte à senhora River, que por sinal, tomou todo seu tempo com um conjunto de três dúzias de peças. Mandy teve que correr para conseguir terminar o restante delas. Jack terminou de lavar o último prato e o pôs no suporte ao lado, enxugando as mãos.
- Agora descanse, filho. Tivemos um dia cheio. - ordenou Mandy a ele, que obedeceu de instância.
Os vinte anos de Jack sugeriam uma responsabilidade muito maior consigo mesmo, porém isso não tirava a responsabilidade que ele tinha que ter para com a família. Todos ali trabalhavam juntos, de igual para igual, e amavam o que faziam. Jack, já no quarto, observou o pote de maquiagem que usava todos os dias, e que o transformavam no que as pessoas viam todas as manhãs. Ele se olhou no espelho, encarando além dos olhos, vendo uma figura eterna de uma estátua. Chegar no final da tarde e poder mexer-se o quanto puder, respirar o ar de casa e se sentir confortável era prazeroso. Todos na família eram estátuas vivas, e enquanto Jack olhasse para o pote azul sobre a estante, trataria de lembrar de todas as horas que conviviam no viaduto, estáticos, mas passando alguma emoção para todos que ali passavam. Ele lembra bem de todos os rostos que ousou notar. Rindo. Admirados. Surpresos. Emocionados. Cada um com suas respectivas personalidades, estampadas em um rosto liberadas por suas próprias almas.
Por vezes o rapaz era tomado por um sentimento de exaustão. Era como se notasse que o tempo corria cada vez mais rápido e ele cada vez mais lento. Retrocedendo e perdendo chances. Era tomado por uma pergunta: "As pessoas me olham. Me fitam por minutos. O que será que elas veem?". Talvez fosse uma questão sucinta e merecesse mais atenção do sentimental do que do racional. Olhou o espelho, tomou a maquiagem cinza nas mãos e começou a cobrir novamente todo ele. As duas mãos trabalharam em cada centímetro da face, em cada milímetro, tornando tudo completamente cinza. Ele encarou-se no espelho.
- Este sou eu? - se perguntou, levando em consideração a expressão que mantinha todos os dias. Então mais uma vez se perguntou: - Este. Sou. Eu?
Os dedos manchados de cinza tocaram novamente o rosto, preenchendo uma parte que secava.
- Eu sou Jack Field. - disse, certo de quem via no reflexo. - Eu sou Jack Field. Estátua viva Jack Field.
Após lavar todo o rosto novamente, Jack foi para a cama. Esperou o sono chegar, mas pareceu-lhe ter vindo como uma pedra. Ele dormiu tão rápido que não dera tempo de sonhar.
No dia seguinte Jack Field saiu de casa com a família para mais um dia na Grand Mary. O movimentado Viaduto Grand Mary. Na maleta levava todos os adereços que viria a usar. Clarice, sua irmã, era uma bela garota, e Jack sabia que dentre eles ela era a mais concentrada e focada em fazer o papel. Chegando no destino, tomaram seus lugares. Jack ficava a dez metros de Clarice, a vinte de Mandy e a trinta de Michael. O pai usava uma armadura, lança e escudo. Os bigodes postiços ficavam legais em seu rosto quadrado, mostrando as características gritantes de um Dom Quixote. Mandy usava uma bela coroa na cabeça e um longo vestido enfeitado com flores. Em uma das mãos segurava um jarro, e sua plataforma tinha um metro. Clarice tinha as mãos envolvidas por um violino, seus dedos nas cordas e seus olhos hipnotizados na música, mesmo sem movimentos. Uma bela coroa de folhas prateadas enfeitava seus cabelos presos. Apesar de ser dois anos mais nova que Jack, Clarice possuía uma boa desenvoltura na plataforma. Jack, por fim, usava um chapéu pequeno no alto da cabeça e um terno elegante. Em uma das mãos segurava uma rosa e na outra um buquê delas.
Todos eles estavam preenchidos num cinza, seguindo a tonalidade de uma rocha firme.
Todos passavam por ali. Parecem os mesmos rostos, mas não são os mesmos rostos. Pensou Jack, consigo mesmo. Talvez aconteça algo de especial hoje. Esperemos.
Então aconteceu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Amor É Cinza
RomanceJack Field é um jovem de vinte anos que é reservado à família e não pensa duas vezes quando quer ajudá-la em qualquer coisa. O emprego de artista de rua não está rendendo, porém a persistência de que um dia tudo será melhor o torna focado em seus ob...