14.Norman

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Por um minuto pensou em como lidar com dois idiotas, em seguida imaginou apenas como estaria Ryler depois de toda a situação.

Norman Buster dirigiu a caminhonete pela rua Overbell, passando pelos alinhados prédios que pareciam embutidos em algumas casas menores. Um homem de aparência jovial atravessou a rua correndo quando ele acelerou. O verão era, particularmente, a parte do ano que Norman apreciava de forma significativa. Todos aqueles jovens aproveitando oportunidades de emprego na JOY'S, torcendo para que conseguissem um bom lucro por oito horas de trabalho. Joy Joanna era uma senhora de noventa anos, e Norman lembrava muito bem do dia que tinha entrado em sua loja em busca de emprego. Ele tinha quinze anos e o pai insistia que ele procurasse algo a fazer.

"O meu pai foi advogado e me ensinou desde cedo que se eu quisesse crescer teria que por meus pés no chão, meus olhos focados e minhas mãos realizando algum movimento." dizia Alfred Buster para o filho. Já a mãe defendia e continuava a insistir que Norman fizesse cursos de violino na mesma escola de música de Emily.

"A música vai ajudá-lo a ser mais focado." dizia Ivy Buster.

Só no seu décimo sexto aniversário que Norman conseguiu encontrar o que queria. E nunca tinha se arrependido de fazer tal escolha.

Joy Joanna o admitiu e Norman começou logo depois do início do verão. Ele reorganizava os produtos em estoque, limpava as prateleiras com um pano úmido tirando toda a sujeira impregnada nos cantos e nas latas, buscava caixas pesadas que o caminhão deixava às onze da manhã na porta da JOY'S, calculava o preço dos produtos que entravam e saiam, fazendo listas de materiais que faltavam ou tinham em excesso, organizava as embalagens de latas, em sua maioria de tintas, em prateleiras alternadas, assim como Joanna pedia. Os seus noventa anos permitiam que ela tivesse experiência o suficiente para dizer a Norman o que estava certo e o que estava errado. Pouco a pouco ele se acostumou com o emprego de verão. Joanna o recebia todos os dias com passos vagarosos, um olhar maternal e um cumprimento trêmulo. Ele sabia que ali estava seguro, mas não de um perigo iminente das ruas, mas dos próprios pais. "Ele não precisa disso, Alfred! Ele é um Buster e tem que estar nos cursos da sociedade que frequentamos! Violino seria um ótimo aprendizado e o levaria a uma universidade no sul da França." continuava a dizer a mãe. "Ele não vai aprender a tocar instrumento algum, Ivy! Ele está aprendendo a caminhar sozinho e quando estiver apto vou pô-lo na usina. Ele trabalhará comigo antes de ser admitido como vice-diretor.", respondia o pai.

Norman escutava a tudo isso com os ouvidos bem abertos. Atento aos pais moldando suas ações e sua vida. Contando o tempo para chegar ao JOY'S o mais rápido possível. Na quarta semana do emprego de verão Norman já não estava dando conta de todo o serviço. Eram muitas tarefas e por vezes chegava em casa com os braços doloridos e os pés necessitados de descanso. Porém nunca reclamava, e isso o reservava uma parte chata do trabalho. Só quando Joanna contratou mais um jovem para a loja que Norman se estabilizou e viu a diferença quando se tem todo o trabalho divido pela metade. "Você achou que eu não tinha notado, querido? Você está muito sobrecarregado." dizia ela, com o sorriso simplório de sempre. O garoto recém-contratado se chamava Dean. Norman via coisas que Dean fazia nas horas vagas que não o contentavam muito. Joanna estava no caixa, contando delicadamente as notas, quando Dean escondia algumas caixas de parafusos ou roscas no casaco. Norman algumas vezes o pegou fumando cigarros e usando algumas drogas no banheiro. Ele e Dean quase não se falavam, mas os olhares de um para o outro quando acontecia algo de errado era abalado por uma tensão no ar. Somente ao final do verão, quando Norman teve que se despedir de Joanna, foi que Dean conseguiu fazer amizade com ele.

"Você não é como a minha mãe, e isso me faz gostar de você." dizia Dean a Norman. "Você sabe... quanto aos cigarros, às bebidas... o seu silêncio me dá tesão, sabia disso?"

Foi a primeira vez que Norman tinha ouvido aquilo sair da boca de alguém. Ele poderia estranhar aquilo, mas acabou rindo, mostrando a Dean que poderia confiar nele. O verão se foi e a JOY'S ficou para trás. O emprego tinha rendido a Norman um bom lucro. Ele sentiria falta de Joanna, mas tudo que algumas visitas semanais à loja não resolvessem. Dean o mostrou uma vida diferente, um modo distinto de ver as coisas. Foi com ele que Norman conheceu alguns tipos de drogas. Dean era nada mais que o filho de Oswald Bentter, um dos maiores traficantes do sul da Califórnia, preso por porte de armas há alguns anos. "Meu pai me ensinou tudo o que sei." dizia Dean, em meio a uma tragada no cigarro. Soltava a fumaça no ar e continuava, um pouco zonzo: "Tudo que sou hoje eu devo a ele, sabia? Minha mãe nunca me ensinou nada... vive com um porco que chama de marido. Eu nunca o considerarei pai. Meu pai está preso e é só nele que confio!".

Em dois anos Norman havia feito uma amizade sólida com Dean. Tinha sido ele que ensinara Norman a dirigir, em um possante, e consequentemente a ter liberdade de escolhas. Norman não escutava mais o que os pais falavam. "Não os ouça! Nada pode segurá-lo, meu amigo. Você é livre e isso é mágico! O seu passaporte para a felicidade está na ponta deste cigarro!" dizia Dean, oferecendo a Norman uma bituca. Ele tragava e sentia-se em outra dimensão.

Dean morreu seis meses depois de ensinar Norman dirigir, após se envolver em um conflito com um antigo contrabandista. O seu corpo foi encontrado com doze marcas de tiros em uma velha ponte em construção. Norman não conseguiu digerir por muito tempo a morte, mas através de Dean conseguiu se envolver com alguns amigos do garoto. "Ele sempre confiava em você, Norman, e sempre dizia que você seria seu sucessor se algo lhe acontecesse." falava um deles. "Dean confiava em você, Norman. Ele com certeza está do outro lado, tragando um cigarro e dizendo que se você não seguir o legado dele você é um fodido!" todos riram quando Christopher dissera isso. Então foi o que Norman fez. Todos os aliados de Dean confiavam nele e isso seguiu por alguns anos.

Alguns deles se envolveram com crimes e tiveram o mesmo fim que Dean. Outros abandonaram o grupo, dando lugar a outros. Norman tinha, depois de tantas mudanças, sete amigos que foram feitos através do grupo de Dean Bentter. Todos eles chegaram depois da morte de Dean, então acostumaram-se com Norman no comando.

Mas agora, com vinte e três anos, Norman ainda lembrava de tudo. Os pais tentaram de todas as formas transformá-lo em um objeto que pudessem manipular, mas Norman não cedeu. Joanna ainda estava a frente da JOY'S. Ela tinha quase cem anos e insistia em trabalhar, mas agora com um rapaz chamado Charles, que a ajudava como um dia Norman ajudou.

Norman Buster só sossegou quando viu que Ryler estava bem. A casa do amigo era bagunçada e tinha fitas para todos os lados, um cheiro ruim saído do ralo da pia impregnava toda a sala. Mas Norman não ligou. Ryler estava no quarto, de repouso. Norman ordenou que todos o deixassem a sós com ele, então obedeceram.

- Você resistiu bem, não é amigo? - falou Norman.

- Ainda estou resistindo, meu caro. - respondeu Ryler. - Um soldado nunca morre no primeiro combate, não é mesmo?

- É isso! - concordou Norman. - E não deixe de pensar assim! Pelo bem do seu irmão!

Ryler sorriu um segundo, lembrando:

- Eu era muito novo quando ele se foi. Eu sempre soube o quanto ele era envolvido com o "clã", como ele dizia. Eu esperei a hora certa para conhecer você, Norman.

O garoto sorriu para ele. Ryler tinha doze anos quando tudo aconteceu. Dean Bentter com certeza estaria orgulhoso dele.

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