27.Emily

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Não são amores encontrados

São amores perdidos

Cansados de serem calados

Cansados de  serem ruídos

Teu rosto, minha lembrança

Oh, querido, querido anjo

Durma em paz e descansa


* * *

Emily seguiu com o rosto de Andy flutuando em sua mente. Os cacos de seu coração sangravam em seu interior, fatídicos, frios. As lágrimas lhe congelaram a face, a dor explodiu no peito ardente, a cabeça já não mais raciocinava. Para sempre. Ela nunca perdoaria o irmão, nunca tentaria se aproximar dele novamente. Nada no mundo a iria confortar. Andy era inocente, era um anjo que a tinha ajudado... por que tinha acontecido? Por que?

Tampouco importava se estava seguindo para casa novamente, tampouco importava se o braço de William Lambert estava ao seu redor, tentando acalmá-la. Tampouco importava que o irmão assassino dirigia a caminhonete que a levava. Andy era o que importava agora e o choque do crime brutal a impedia de se mexer. Seus ossos tinham ganhado mais peso,  se fortalecido entre seus músculos e criado uma massa pesada que agora o tensionava. A felicidade se esvaiu num segundo, deixando para trás as marcas profundas de uma lembrança cruel que ela jamais esqueceria.

Não demorou muito para que ela avistasse a mansão dos pais novamente. O portão dourado resplandecia, enquanto o sol nascia no horizonte. Estava amanhecendo e as ruas desertas criavam vida com carros saindo das garagens, pessoas abrindo lojas ou indo passear com seus cães. Emily assistiu a tudo isso sem força de falar nada, sem forças para expelir mais alguma lágrima que pudesse demonstrar o quão difícil estava sendo suportar a perda da amiga. A cena. Suas mãos trêmulas provavam sua força de tentar esquecer tudo, mas sempre retornava o momento em sua mente, com mais impacto e com mais detalhes. O sangue. O corpo. A morte.

Andy nunca iria realizar o sonho de se formar, que também era o sonho de seus pais. Emily sentiu por isso mais do que a própria vida. Enquanto a caminhonete se aproximava da casa, Emily repetia para si mesma, com ódio consumindo seus olhos: "Norman Buster é um monstro."


* * *

- Querida! - a mãe correu a apertou num abraço fingido. - Senti sua falta! Não sabe o quanto sofremos com a sua ausência!

Emily preferiu o silêncio. Estava pálida e fraca.

- Querida, você está bem? - Ivy a tocou na testa, medindo a temperatura. - Está pálida como um enfermo!

- Ela está bem, mamãe. - Norman se posicionou ao lado da mulher, encarando a irmã com os olhos minuciosamente avaliativos. - Só está um pouco desnorteada. Aquele artista de rua estava deixando-a com fome e dormindo na varanda, acredita nisso?

Ivy ficara pasma e as mãos foram à boca, prendendo um suspiro:

- Meu Deus! Aquele empecilho! Eu sabia que ele não era uma boa companhia para você, minha querida! Agora você sabe mais do que eu do que ele é capaz! - ela acariciou o rosto de Emily, levando algumas mechas loiras para trás da orelha da filha.

- Eu a encontrei no meio da noite naquela varanda acorrentada e a salvei. Ela se arrependeu de ter fugido de William Lambert e se desculpou. Ela está disposta a casar com ele em algumas semanas. - Norman sorriu para a irmã, vendo o ódio gritante em seu olhar.

Alfred Buster observava de longe, sem levantar da cadeira ou dizer uma palavra.

- Aquele sujeitinho! Eu sempre estive certa sobre ele! Sempre alertei você sobre isso, mas você nunca acreditou na mamãe! Agora... Will, já que estamos todos aqui, você não pode perder a oportunidade. Eu então concedo a mão de Emily a você! Os preparativos para o casamento estarão prontos em algumas semanas. - Ivy sorriu sordidamente e Will beijou Emily no alto da cabeça.

Andy.

A imagem veio novamente em sua cabeça. O sorriso de Norman era nojento, Emily deu alguns passos, encarando-o de maneira hostil. Ela se posicionou a frente dele.

- Meus parabéns, irmãzinha...

Então ela vomitou em sua roupa de couro.


* * *

Era noite e Emily já tinha chorado meia hora atrás. Imaginava como estaria Andy... o que eles tinham feito com o seu corpo? Jogado em um terreno abandonado? Enterrado sob o galpão? Ela resolveu parar de pensar nas possibilidades que isso levaria. Alguém bateu a sua porta e entrou sem pedir licença. E ela não precisou olhar para trás para reconhecer. Os passos o entregava.

- O que ele a deu para comer, heim? - perguntou Norman, se referindo a Jack. - Minha roupa está impregnada com um cheiro estranho...

Ele andou pelo quarto, olhando para as paredes:

- Há muito tempo não entro nessa casa e fico tanto tempo! Principalmente neste quarto! Que idade eu tinha quando entrei aqui pela última vez? Treze, quatorze? Não lembro, sinceramente. Há algumas noites vim aqui dá-la boa noite, mas preferi não acender as luzes para não acordá-la. Mas enfim... vou voltar para o galpão. Big Roy me ligou. É a respeito daquele assunto!

Emily sabia muito bem do que se tratava. Não levou o nome de novo a cabeça para não chorar na frente do culpado.

- Amanhã... - era a primeira vez que ela falava desde que entrou na caminhonete após a morte da amiga. - Eu irei procurar os policiais. Vou contar tudo. Nossos pais saberão, a polícia saberá quem você é. Amanhã!

Norman riu, desdenhando.

- Acho que não, irmãzinha. - disse, se aproximando da cama. - Você sabe quem eu sou! Me conheceu realmente hoje! Viu o que aconteceu com a sua amiga... e sabe que pode acontecer a mesma coisa a ele, não sabe? - Emily percebeu que ele se referia a Jack. - Enquanto eu estiver na prisão vou ter o prazer de ver anunciando pelo rádio que um corpo foi achado nos limites de Greemill, às margens do Rio Ennetis. Sabe que não estou sozinho, não sabe?

Emily não dissera mais nada. Engoliu a seco o que ele contara, deixando queimar cada coisa no peito dolorido. Norman se dirigiu à porta, e Emily soltou uma afirmação sem pensar muito:

- Uma vez... - ela se interrompeu, vendo-o parar à porta do quarto e olhá-la. - Você me disse que daria sua vida por mim.

Norman a observou e em seus olhos uma nesga de luz se acendeu, algumas sombras do quarto ficaram distintas perante o olhar bruto que ele dava a ela:

- Eu lembro disso. - ele sorriu. - Engraçado o quanto nos arrependemos de coisas banais que um dia falamos! Durma bem.

Ele se retirou do quarto, enquanto Emily observava que todas as sombras presentes no ambiente foram embora com ele.

O Amor É CinzaOnde histórias criam vida. Descubra agora