O senhor Fedrich deu a impressão de estar feliz e tenso ao mesmo tempo. Ele encarava o suposto filho na sala de estar, logo atrás da mãe. Ivy Buster virou-se e estava temerosa (pela primeira vez Emily sentia realmente a mãe acuada, insegura, frágil), e tudo que lhe surgiu no momento foi:
- Eu posso explicar. - ela deu alguns passos na direção de Norman, que se afastou o mesmo tanto de distância.
- Responda! - ele insistiu, encarando a situação de maneira fria. - Eu sou um bastardo? Não faço parte dessa família, é isso? Responda-me agora mesmo se não...
Norman levou as mãos à cabeça. Entrou num momento lúdico, absorto em delírios temporários. Encontrou a parede mais próxima e distribuiu alguns socos.
- Norman... - Carlton Fedrich arriscou falar com o jovem, explicar o que estava acontecendo, já que a mãe não conseguia emitir som algum. Ivy Buster encarava o chão sem reação.
O jovem virou-se e encarou o homem parado ali, ao lado da irmã.
- Quem é você? - Emily foi pega de surpresa quando viu os olhos de Norman vermelhos, uma lágrima perdurando na parte inferior. - Você é... meu pai, é isso?
- Não foi isso que eu disse, filho... - Ivy pareceu acordar de repente, tomou os braços do filho e apertou em piedade. - Olhe para mim! Olhe para mim! Seu pai é Alfred! Não dê ouvidos a ele, querido... não dê...
- Como você pôde? - ele encarou a mãe de maneira repugnante. - Eu sempre soube... sempre soube que não me encaixava nessa merda de casa! Nessa merda de família! Eu tinha razão... vê? Eu tinha razão!
- Norman... Norman! Por favor! Olhe para mim! Esqueça o que eu disse, tudo bem? Eu só... eu estava enganada, falei bobagem... não tive a intenção! Esse homem, eu nunca o vi! Não sei quem ele é e o que está fazendo aqui!
- MENTIRA! - Norman retirou as mãos de Ivy dos braços dele num empurrão. A mulher atingiu o chão num segundo, começando a derrubar as primeiras lágrimas.
"Por favor, de novo não... isso não podia acontecer... primeiro meu pai, meu querido pai. Norman não pode conviver com esse homem..." pensava Ivy, atordoada, jogada no carpete.
- Eu preciso saber quem você é! - Norman agora tinha se aproximado de Carlton o suficiente para encará-lo de maneira abrupta, num confronto de olhares em faíscas. - Quero ouvir de sua boca que o que ela disse é verdade ou mentira!
Emily estava recuada ao canto da sala. Não diria uma palavra, estava disposta a ver toda a cena de boca fechada, sem levantar um dedo sequer.
- Eu... - Carlton demorou a dizer o que queria, então Norman explodiu.
- FALA! - tomou o suposto pai pelo colarinho e pareceu a Emily que o irmão o erguia do chão. Impressão minha, pensou. Ou talvez não. - Fala que todos esses anos eu fui imbecil de acreditar que era filho do grande empresário Alfred Buster! Fala que você transou com minha mãe quando ele virou as costas e que ela ficou prenha de um maldito bastardo que se chamaria Norman Buster! Buster... Buster... por que tenho esse nome? Será que ele pertence a mim? Me esclareça! Diga-me se tudo isso é verdade! FALA! - ele tinha os olhos saltados e Emily começou a ficar temerosa.
- Eu não sei. - disse Carlton. - Vim aqui exatamente para saber...
Norman pareceu ainda mais revoltado quando ele deu a resposta. Desferiu-lhe um soco no rosto, fazendo Carlton cair sobre a mesa de centro, quebrando o vidro em milhões de pedaços.
- Digam-me alguma coisa... - Norman passeava pela sala, a voz alta e firme. Ivy Buster estava ajoelhada no carpete, encarando o filho, chorosa. - Não tem nada a me dizer mamãe? Talvez prefira que siga minha vida com uma mentira! Então, é verdade? FALA! DESEMBUCHA! É VERDADE?
- É verdade! É verdade... é verdade... - nesse momento ela começou a chorar para valer, as mãos no rosto. Emily sentiu uma nesga de pena, mas continuou onde estava, firme e alarmada. - Por favor... me desculpe... é verdade...
Os olhos de Norman, numa vermelhidão infinita, ganharam ainda mais brutalidade. Carlton se recuperava do soco e se erguia em meio aos vidros, alguns pontos dos braços cortados e uma tira de sangue descendo pelo canto da boca. Ele encarou Ivy ao chão. "É verdade..." ele tinha ouvido muito bem as palavras que saíram dela.
- Eu vivi toda a minha vida... comi, bebi, dormi. A maior parte do que vivi foi às custas de outra pessoa! Alfred Buster não é meu pai. Minha mãe é uma puta! - ele encarava Ivy ao chão, que chorava ainda mais ao ser chamada daquela forma pelo filho. - Brilhante! O meio-sangue da família é exatamente aquele que é oposto a todos eles! É exatamente aquele que a vida deu a oportunidade de seguir outro caminho porque não se encaixava nos metros quadrados dessa casa! E para quê? Para descobrir que após vinte e três anos sou filho de um outro pai! - ele tomou um jarro sueco (o predileto de Ivy) e explodiu-o contra a parede. Os cacos tilintaram no chão. Emily soltou um gritinho quase inaudível e Ivy continuou a chorar. Norman começou a ri e Emily notou que lágrimas desciam pela sua face. Ele as limpou ligeiramente, se recompondo. Mas ainda ria. - Queria ver a cara de Alfred Buster ao saber que o filho que ele tanto tratava com esmero porque queria transformar em seu sucessor nas empresas de vidrarias mais renomadas do país! O que ele vai pensar, heim, mamãe? Aposto que a alegria que ele sentia vai virar cinzas! BUM! E cairá sobre essa família! Talvez vocês mereçam meus aplausos... - ele começou a bater palmas. - Por terem feito um imbecil!
Norman revirou a mesa de madeira que ficava os porta-retratos e os jarros de carmélias. O barulho estrondoso atingiu o ambiente de maneira assustadora. Emily tapou os ouvidos. Em seguida Norman arrancou as cortinas que ficavam nas janelas, enquanto o sol invadia a sala com raios de luz distorcidos pelo vidro.
- Mamãe... - ele tinha se dirigido à porta, mas resolveu estancar perto da soleira e encarar Ivy. Ela ergueu vagarosamente o olhar avermelhado para o filho. - Lembra do Norman? Então... ele morreu!
Ele se retirou da casa, batendo a porta estrondosamente. Ivy recomeçou a chorar, apoiando-se na cadeira ao lado. Emily nunca tinha visto a mãe daquela forma. Sentiu um aperto no peito e uma vontade indizível de se dirigir até ela e ajudá-la a se erguer. Mas saiu do canto da sala e subiu ao quarto. Quando parou nos primeiros degraus, viu Carlton ajudando Ivy a se levantar. A sala estava destroçada, como se um furacão tivesse passado por ali e arrasado tudo.
Emily podia sorri com a situação, estar feliz por tudo que estava acontecendo. Feliz pela dor de Norman e a dor da mãe. Eles tinha feito coisas ruins o suficiente para ela. Porém ela não conseguiu. Sorrir seria mostrar que o mesmo egoísmo que atingiu a mãe e o irmão a tinha atingido também. Simplesmente encarou os fatos como a verdadeira Emily encararia.
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O Amor É Cinza
RomanceJack Field é um jovem de vinte anos que é reservado à família e não pensa duas vezes quando quer ajudá-la em qualquer coisa. O emprego de artista de rua não está rendendo, porém a persistência de que um dia tudo será melhor o torna focado em seus ob...