Há sangue nas minhas mãos...
Sangue... o sangue do meu filho nas minhas mãos...
Ele lembrou de ter visto os paramédicos levarem Norman nunca maca, o colocando na ambulância. Ouviu a sirene gritando num movimento de luzes. Entrou na traseira do veículo e apertou a mão de Norman, trêmulo e nervoso.
Por favor, filho... não morra, por favor...
Carlton Fedrich nunca imaginou que pudesse presenciar aquilo (nem mesmo durante o tempo que passou na prisão). Haviam seis corpos no seu estabelecimento, mortos a tiro pelo próprio filho, o filho que tinha se enfurecido quando o viu na primeira vez, o filho que tinha seu rosto e seus olhos, o filho que descobriu alguns minutos atrás que queria proteger pelo resto da vida, que se possível trocaria de lugar com o mesmo naquela maca.
O enfermeiro estancava o sangue, as gazes sujas em uma lixeira improvisada. Carlton sabia que diante de tudo os policiais o procurariam para saber o que realmente tinha acontecido. E ele sabia sua resposta. Claro, sabia sim.
* * *
Três dias foi o tempo que Norman passou internado no WAMOND HOSPITAL. A bala se alojara no canto inferior do intestino grosso. O tempo de cirurgia não foi muito, levando em consideração o posicionamento da bala no corpo. Norman estava bem e agora abria os olhos devagarinho, vendo o rosto esperançoso de Carlton fitá-lo.
Dois dias atrás, um pouco depois da cirurgia, Carlton tivera a disponibilidade e o carinho de ficar com Norman no quarto hospitalar.
Eu estou aqui, meu filho... conte comigo...
Ele apertou a mão de Norman, sentindo os dedos do garoto terem uma breve reação. Nesse momento lágrimas brotaram de seus olhos, lavando a alma por fora, deslizando pelo rosto com uma ardência boa, renovadora. Enquanto tudo se resolvia e Norman não acordava, um dos policiais que visitara a TOMORROW'S COLOR após a tragédia, resolveu fazer algumas perguntas:
- O senhor nunca se envolveu em nada do tipo? - o homem alto mantinha uma caderneta nas mãos e uma caneta, vez ou outra coçava o bigode grande.
- Não, senhor. Nunca tive problemas com minha empresa ou com marginais, acredite. - explicou Carlton, verdadeiramente.
- Será que poderia me explicar o que exatamente ocorreu?
- Sim, claro, claro. - Carlton engoliu em seco e passou a mão no cabelo, um sinal antigo brotado na infância que indicava que iria mentir. - Quando me dei eles já estavam assumindo o controle da frente da loja. Senti um puxão e um deles acabou me levando para o que se dizia "líder". Eles queriam saber onde ficavam as reservas de dinheiro e eu cedi. Caminhei pelos corredores com o líder, mas acabei o atraindo para uma sala que guardo documentos e itens de segurança. Lá também guardava uma pistola. Quando me dei meu filho entrou pela porta e foi rendido pelos que estavam a frente do caixa. O líder se assustou com a presença dele e aproveitei a chance para pegar a arma que estava na gaveta. - enquanto ele explicava, o policial anotava cada detalhe no bloco de notas. - Eles iriam atirar no meu filho e prometeram matar todos os meus funcionários. Acabei por me exaltar e fazer o que eu temia... meu medo era que machucassem as pessoas que gosto. Fugi do líder e atirei em dois que estavam na porta lateral, em seguida nos que estavam a frente, no balcão... então vi que tinham atirado em meu filho. Me desesperei e atirei contra dois deles que tentaram me matar, um deles o próprio líder.
- Senhor Fedrich... a arma foi levada para perícia. As digitais do rapaz - o policial indicou Norman, ainda desacordado na cama hospitalar - também estavam nela. Como me explica isso?
Carlton lembrou bem quando tomou a arma das mãos de Norman antes dos paramédicos chegarem. Lembra de ter segurado na coronha e levado de leve o dedo ao gatilho. "Pronto! Minhas digitais estão aqui!" formulou no pensamento.
- Desculpe, policial Hexford... - Carlton encarou o nome do oficial na farda. - Creio que estou nervoso com os detalhes. Mas... a verdade é que Norman estava nervoso. Quando foi baleado e eu pude socorrê-lo, ele tomou minha arma quando a pus no chão, ao seu lado. Tentou atirar, mesmo ferido, em um deles. O senhor sabe bem... ele foi baleado e estava zonzo. Sei que a cabeça dele girava a toda hora e ele não conseguia raciocinar com perfeição. Mas acabou desmaiando antes de apertar o gatilho.
O policial Hexford só anotou. Se aproximou da cama onde Norman estava e disse:
- O seu filho é um rapaz de sorte! - e em seguida puxou uma palavra do elogio: - e corajoso! Sabe, senhor Fedrich, também tenho um filho da idade dele!
- Oh, tem, senhor Hexford? - perguntou retoricamente Carlton.
- Sim, ele está servindo as forças armadas. Não o vejo há cinco meses. - o homem o olhou como se quisesse passá-lo um motivo de orgulho: - Não há força maior do que a da minha saudade. Eu amo Leonard, mas meu velho coração de pai não sabe se vai suportar. Então... faça isso por mim! Você defendeu seu filho da morte. Deus o compensará de alguma forma! Cuide de seu filho da mesma forma que eu cuidaria do meu se ele estivesse por perto. Até mais, senhor Fedrich!
- Obrigado, policial Hexford. - agradeceu Carlton, vendo o homem se distanciar e Norman ter o rosto iluminado pelo suave raio de sol da manhã.
* * *
- Então vou ficar aqui por um tempo? - Norman parecia relutante, porém aceitou o pedido de Carlton para que se estabilizasse em sua casa por enquanto.
- Sim, bem, pelo menos até que melhore. Quero cuidar de você, meu fi... - era estranho como tais palavras bloqueavam qualquer expectativa de ser generoso com quem realmente se ama. - Você precisa repousar.
- De qualquer forma, não quero incomodá-lo. - a voz de Norman ainda estava um pouco lenta, contudo tinha uma nesga de força. - Estou quase melhor, não há motivo para preocupação...
- Oh, sim, há! E se não for incômodo... como sabia sobre aqueles rapazes? Como entrou na minha empresa com uma arma e... assassinou todos eles? - essa última parte foi falada num sussurro, como se o policial Hexford estivesse atrás das paredes escutando tudo.
- Não devo explicações a você... - disse Norman, os olhos profundamente tomados numa conexão com os de Carlton. - Se alguém aqui deve uma explicação não sou eu! Mas... quer saber? Acho que não quero saber de qualquer coisa que tenha como interesse sua relação com Ivy.
- Norman, ela continua sendo sua mãe... - corrigiu Carlton.
- Ela mentiu para mim!
- Tudo bem! Não cabe a mim julgá-la, tampouco ser dono da verdade! Só peço que aja com mais compreensão. - pela primeira vez Carlton sentiu um forte apoio de Norman em suas palavras. Isso era bom, muito bom.
Dois dias depois Norman caminhava tranquilamente pela casa do pai. Ele estava mais tranquilo e mais à vontade, embora relutasse em aceitar Carlton como um pai.
Carlton acordou pela manhã e não o viu no quarto. Norman apareceu apenas pela tarde, com um sorriso no rosto.
- Posso saber o motivo de tanta alegria, filho? - era apenas a terceira vez que Carlton o chamava de filho desde que o trouxera para sua casa. E estava contente em saber que Norman não retribuía com uma carranca ou com desagrado.
- Está tudo bem. - o sorriso se alargava em seu rosto. - Não se preocupe. Eu estou bem, papai.
Norman subiu para o quarto, ainda com dificuldade de caminhar. Carlton viu o coração palpitar além do esperado, respirou duas a três vezes profundamente. "Papai". Norman o tinha chamado de "papai".
Suas mãos se juntaram e ele agradeceu a Deus por isso.
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O Amor É Cinza
RomanceJack Field é um jovem de vinte anos que é reservado à família e não pensa duas vezes quando quer ajudá-la em qualquer coisa. O emprego de artista de rua não está rendendo, porém a persistência de que um dia tudo será melhor o torna focado em seus ob...