29.Jack

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O pai, recostado na cadeira e passando os ligeiros olhos pelas páginas de um catálogo de carros, se dirigiu a ele com um ar paternal:

- Conheço-o bem, filho. - ele semicerrou os olhos ao encarar Jack. - Então? Ela não mandou qualquer informação?

O ar intrigado do jovem, entroncado no peito sofrido, deixo-o transparecer seus sentimentos. Jack era, em vista, um rapaz entristecido por qualquer um que ousasse pousar-lhe os olhos.

- Não, senhor. - respondeu Jack, pesaroso. - Mas sei que ela está com a família a essa altura. Ela prometeu retornar, mas tenho certeza que o irmão não deixaria.

- Todos temos conflitos quando a questão é de quem gostamos. - o pai dobrou o catálogo em quatro partes iguais, retirando os óculos e o observando com um rubor diferente: - Principalmente quando fazemos algumas escolhas que não condizem com o que o destino pretende. Há poucas coisas a serem aproveitadas na vida, Jack, e uma delas é estar ciente que sua alma encontrou outra a quem se identifica. Haverá dias em que uma tempestade o irá atingir, derrubar seu teto, tirar o seu chão, jogá-lo longe e ir embora, rindo pelo horizonte enquanto leva mais coisas lá na frente. Tempestades... eu já enfrentei algumas.

- O que quer dizer com isso, realmente? - Jack interessou-se pela metáfora.

- Digo que se realmente gosta de Emily, busque-a em meio a essa tempestade. E se mesmo assim se sentir inseguro, lembre-se que estou logo atrás caso seja puxado. - inclinou o corpo, se erguendo com dificuldade, pondo uma das mãos no ombro do filho: - Não precisa ir se não quiser. Por enquanto pense nessa tempestade e avalie se está na medida que você possa enfrentá-la...

Michael Field se retirou da sala, se dirigindo ao quarto onde a mulher dormia. A tarde estava silenciosa demais, então um barulho de madeira sendo batida despertou Jack de um profundo momento de análise. Dez passos até a porta. Era sério que ele havia pensado nisso?

Parado na soleira um rosto que conhecia bem, principalmente porque não esqueceria o salvador da irmã.

- Senhor Fedrich. - um sorriso elevou-se nos seus lábios. - Posso ajudar? Ah, que cabeça a minha... um segundo! Clarice está no andar de cima...

- Não, não. Não será necessário interrompê-la. Na verdade... eu estive aqui alguns dias atrás e conheci uma jovem, assim como você... - Fedrich encarava o interior da casa, passando os olhos por cada canto da sala, como se encontrasse quem procurava ali, sentado, com um livro. - Emily Buster.

Jack franziu a testa.

- Ah... sim, sim. Sinto muito, mas ela teve que retornar para casa. Talvez o senhor conheça, os Buster...

- Sim, claro, claro. A mansão. - ele pareceu desapontado, o semblante carregado de uma expressão entristecida, como se realmente quisesse encontrar a jovem no recinto.

- Desculpe a intromissão, mas o assunto é confidencial? - perguntou Jack, interessado.

- Oh, não... na verdade, acho que posso precisar de sua ajuda. - Carlton Fedrich entrou na casa a convite de Jack, sentando-se na cadeira que Michael Field deixara há quase uma hora. Ele olhou para o garoto, esperançoso para que ele soubesse de algo: - Preciso saber se você conhece bem Emily Buster?

A pergunta era um soco no estômago. Jack sentiu uma pontada, em seguida um incômodo local, causava-lhe náuseas e um certo conflito interno. Ele conhecia? perguntou a si mesmo. Não, respondeu na própria cabeça. Relutou. Sim, a conheço bem. Mudou de opinião. No fim tudo que respondeu para o homem fora:

- Talvez. Algum problema? - ele esperou, seu peito arfando, que o sr. Fedrich tivesse alguma notícia de Emily. Primeiro imaginou que ele carregava uma má notícia, então seus pensamentos se reorganizaram e ele avaliou a possibilidade de ele ter ido lá dar uma boa notícia, que tinha encontrado Emily e a levado a um lugar seguro. Que o fato de ele ter ido lá e perguntado por ela era ganho de tempo para segurar a notícia para Jack. Jack e seu ceticismo duelaram por um segundo. Realmente ela estava em casa? Não soube mais de nada.

Então Carlton Fedrich lhe contou uma longa história. Relatou sobre a juventude, onde conhecera uma garota chamada Ivy Buster; contou sobre a prisão, uma empresa de tintas chamada TOMORROW'S COLOR fundada por ele e sobre a noite anterior, que de acordo com ele tinha surgido uma possibilidade de que ele pudesse estar certo sobre um assunto. Agora Jack compreendia tudo.

- Então o senhor acha que Emily pode ser sua filha com Ivy Buster?

- Ficaria feliz se isso pudesse ser verdade. - ele realmente estava se deleitando com a suposta verdade que tomou como certa. - Ivy me pareceu insegura na noite de ontem e sei que me esconde algo, só não sei dizer se é o fato de Emily ser minha filha.

Jack pensou durante um instante e o questionou:

- O senhor comentou que passou quantos anos na prisão? - ele observou um Carlton pálido.

- Quinze anos. - respondeu o homem.

- E há quanto tempo não via a senhora Buster após sair da prisão?

- Oito anos. - e com isso ele tinha confirmado algo.

- São vinte e três anos sem nenhum vínculo com a senhora Buster, é isso? - questionou Jack, sabendo que poderia desapontar ainda mais Fedrich.

- Exato. São muitos anos e isso me levou de volta a um passado, junto à ele veio toda essa confusão e... eu realmente ficaria feliz. - Carlton olhava para Jack num ato de piedade, reforçando a expressão recaída.

Jack sabia que Emily não poderia ser filha de Carlton Fedrich por motivos óbvios. Ela tinha vinte anos apenas e há vinte e três Carlton e Ivy Buster não se viam. Mas não precisou pensar muito para conseguir chegar a um ponto que precisava contá-lo. Ele parecia certo demais de que tinha algo que Ivy o escondia e estava disposto a seguir em frente com essa certeza. E só havia uma possibilidade da teoria sentimentalista do senhor Fedrich se confirmar.

- Acho que tenho que lhe dizer que Emily não é a única filha dos Buster. - contou Jack, ganhando um olhar de atenção do homem. - Emily tem vinte anos e não é possível que ela seja sua filha. Porém há um irmão...

Carlton ergueu as sobrancelhas e ficou atônito quanto as palavras de Jack:

- Um filho mais velho que Emily, e aposto que está nessa faixa de idade que o senhor propõe. Se o senhor tem tanta certeza que pode haver alguma ligação com a senhora Buster e ela não quer contá-lo a respeito, aposto que é isso!

- Céus! Um menino... mais velho... - o sorriso no rosto de Carlton Fedrich se iluminou. - É isso! Ela tinha razão ao falar que Emily não era minha filha, mas... não comentou nada sobre um outro filho! Achou que eu poderia esquecer de tudo se ela não falasse a respeito dele! E como ele se chama, meu jovem?

- Norman. - respondeu Jack, feliz por ele. - Norman Buster.

Quando o senhor Fedrich se despediu, a alegria nos olhos marejados, Jack pensou na conversa. Na revelação. Nas descobertas. Norman Buster seria realmente filho do senhor Fedrich? Que ironia do destino... pensou. Se retirou para o quarto com o pensamento na cabeça: "Pensando bem... Norman é a cópia do senhor Fedrich."

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