16.Emily

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Lea McMory parecia apática, quase como se tivesse acabado de vomitar.

Emily encarou a mulher, respirando fundo diversas vezes, conseguindo passar a impressão de uma ligeira tontura. A jovem achou que ela desmaiaria, mas em um minuto a professora se recompôs.

- Se você preferir não precisa fazermos a aula hoje, Lea. - disse Emily, preocupada.

- Não, tudo bem. Foi só um mal estar. - ela se dirigiu à prateleira no fundo da sala de estar, onde estavam as partituras no documento.

Enquanto ela se distanciava, Emily pensava em como tinha sido bom passar a manhã com Jack. Tirando o início do dia quando teve que livrá-lo das garras de Big Roy e Franklin, o resto dele tinha sido perfeito, em sua concepção. Ter visitado Jeyne após semanas era um tanto quanto aliviador, e mostrar a Jack o que ela sabia fazer com seu talento com a música e a pintura tinha sido reconfortante.

- Então... você está melhor? - Lea tinha aparecido novamente e duas partituras estavam em suas mãos cheias de anéis.

Ela se referia ao dia anterior, a situação com o pai.

- Sim, Lea. Obrigado por se preocupar. - respondeu. - Estou levando em consideração seus conselhos.

A professora de piano deu um risinho agradecido e voltou a fechar os olhos por dois segundos, respirando fundo como se precisasse disso para se controlar. Por outro lado Emily nunca perdoaria o pai por tamanha brutalidade. Aquele tapa marcou não só momentaneamente seu rosto, mas havia uma cicatriz permanente naquele lugar, que nunca sairia. A cicatriz da mágoa.

- Espere um segundo, Emily... eu preciso... - Lea saiu dali e caminhou poucos passos em direção às prateleiras. Emily viu quando a mulher cambaleou, suas pernas enfraquecidas não resistindo e ela cair no carpete.

Ela saiu em disparada e se ajoelhou ao lado de Lea. Ela estava desacordada e por mais que Emily estivesse magoada e com a "cicatriz" permanente, teve que recorrer à última saída:

- MÃE!

Seu grito fez efeito e Ivy Buster logo estava na sala de estar, ligando para o médico.


O médico a examinou por poucos minutos, até que Lea se estabilizasse:

- Preciso que faça um check up de rotina, senhorita McMory. - disse o doutor Adam, guardando os poucos acessórios de volta na bolsa. - Se a senhora Buster não se incomodar em levá-la na clínica.

Emily encarou a mãe como se demonstrasse um poder sobre sua decisão. "Você não vai negar isso, não pode negar isso."

- Tudo bem. - falou Ivy, depois de pensar por longos segundos. - Só desta vez. Se isso ocorrer novamente tratarei de contratar um novo professor. Que decepção, senhorita McMory!

Ivy Buster se retirou dali, deixando o médico aturdido com a situação, Emily envergonhada e Lea intimidada e trêmula.


Quando Lea retornou da clínica com Ivy, Emily foi a primeira a saber:

- Ele disse que poderia ser o excesso de trabalho. - com essa afirmação Lea surpreendeu Emily.

- Espera, Lea, quer dizer que você está sobrecarregada? - perguntou a jovem.

- Não aqui, Emily, mas... eu tenho outros alunos e... - Lea parou por um instante, olhando para Ivy e temendo concluir o que queria.

- Lea! - Emily percebeu a situação e a encorajou: - Estou realmente preocupada. O que a está sobrecarregando?

- Emi, Lea está cansada. Acabou de chegar de uma consulta médica... - antes que a mãe terminasse, Emily a interrompeu, continuando a falar com a professora:

- Lea, eu preciso saber o que está acontecendo. Não há como você ficar sobrecarregada...

- A senhora Buster... - ela respondeu, enfrentando a mulher. - Quando me contratou disse-me que eu tinha que compor todas as músicas das partituras. Todas as noites eu estudo as composições e as trago no dia seguinte. Elas seriam suas... caso eu quisesse tomá-las, ela trataria de sujar meu nome em qualquer agência de música. "Não brinque com os Buster." disse ela. Todas as minhas músicas são suas para que você autonomize-as, levando para qualquer agência para que a contratem.

No final da explicação de Lea, Emily não conseguia mais olhá-la nos olhos. Virou-se e encarou a mãe de forma imponente, rude e magoada:

- Diga-me que você não fez isso! Diga-me que mesmo eu conhecendo-a muito bem e sabendo do que você é capaz você não fez isso! - Emily deixou uma lágrima de consideração cair.

- Eu quero que você seja uma pianista famosa lá fora. - explicou Ivy.

- Explorando pessoas? - falou Emily, irritada. - Sugando cada centímetro de talento de Lea para que eu me tornasse o que você quer que eu me torne? Lea é uma profissional que precisa disso para ter dinheiro, para sobreviver e você está tirando isso dela e dando a mim? Aposto que você fez a mesma coisa com Jeyne, mas é claro que ela nunca concordaria com isso, mesmo tento afeto por mim. Então ela recusou dar-me todas as partituras e autonomizar em meu nome e você a demitiu! Ah, claro! Estava óbvio o tempo todo! - Emily pôs as mãos na cabeça, ainda mais irritada: - Você sempre soube que aulas de piano nunca foram o que eu quis para minha vida! Sempre soube, mais do que qualquer um, que eu queria seguir minhas escolhas, mas o que você fez? Me pôs cordas, amarrou-me a seus dedos e controlou meus passos de perto. Que tipo de pessoa você é?

- Emi, eu sou sua mãe e não permito que fale dessa forma comigo! Eu sempre quis que você se tornasse um orgulho para a família Buster e seguisse o meu legado nessa casa! - Ivy falava baixo, mas suas palavras tinham um peso enorme no ar.

- O seu legado? - ela enrugou a testa de relance. - Ou seus fracassos? É isso, não é? Tudo aquilo que você não conseguiu em sua vida quer que eu consiga para você? Eu entendo que você possa até se ver em mim, mamãe, mas se depender de mim você nunca mais vai interferir nas minhas decisões!

Emily tomou Lea pelo braço e se encaminhou para a porta. Então parou, quando Ivy chamou Lea e disse em alto e bom som:

- Aproveite suas míseras aulas pouco rentáveis, Lea. Não quero que pise mais aqui.

Enquanto as duas saíam dali, Ivy cruzava os braços e pensava no único motivo da mudança de Emily.

"Ela não estava assim antes dele aparecer. Um mísero artista de rua... que lástima! Ele tem que sair da vida dela... e eu sei como!" pensou Ivy.

A resposta estava em Brandon.

O Amor É CinzaOnde histórias criam vida. Descubra agora