Os Buster estavam à beira da lareira, admirados.
Os olhos de Ivy Buster buscavam um controle parcial da emoção, contida pelo som que Emily tirava do piano. Emily tinha belos cabelos loiros acentuando com o rosto fino e os olhos castanho-claros. O pai, Alfred Buster, tinha uma expressão de orgulho fixada no rosto duro, o charuto entre o polegar e o indicador. A fumaça que subia do charuto escapava pela janela ao lado, enquanto as chamas na lareira dançavam de acordo com cada tom da música.
- Oh, estou tão orgulhosa de você, Em. - Ivy era uma perfeita dama de descendência europeia, os cabelos loiros deveras finos presos a um coque no alto da cabeça; a blusa de tecido nobre branca e a saia de malha francesa a davam um ar temporário de primeira-dama. Ela soltou um breve "gritinho" e se encaminhou para a filha, sentada a frente do piano, ainda retirando os dedos sobre as teclas. Ivy amaciou os cabelos de Emily e se dirigiu a professora: - E você, Lea, foi incrível. Realmente, fantástica. Sabíamos que você tinha mais competência do que aquela velha sanguessuga do condado.
- Eu exijo que não fale mal de Jeyne quando eu estiver presente, mamãe. - Emily adorava a antiga professora de piano, Jeyne Kemble. Não por Jeyne ser uma exímia professora, mas por ela cultivar uma amizade com a jovem pianista. Jeyne tinha sessenta e cinco anos e os pais de Emily acharam melhor substituí-la por Lea McMory, de trinta e cinco. - Eu realmente não compreendo o motivo de você e papai demitirem-na. Eu a adorava.
- Você, Em, adorava que Jeyne guardasse todos os seus segredos ou compartilhasse todos os tipos de confidencialidades sobre os rapazes do clube. Jeyne não era profissional. Lea sabe o que faz.
Ivy alisou mais uma vez os cabelos de Emily e teve que dar dois passos para trás para não ser atropelada pela filha, que saiu furiosa dali.
Emily cruzou a porta da sala de estar, analisando rapidamente o pai, confortavelmente na poltrona. O charuto continuava entre seus dedos, lançando fumaça ao alto delicadamente. Alfred Buster estava ali porque a mulher o convencera. As aulas de piano eram caras, porém para Alfred o que tinha de ser vigiado em Emily eram os estudos para se tornar uma médica competente.Emily já estava há dois anos na faculdade de medicina da Universidade Dhamphill. Sua rotina regrada e apertada quanto as aulas de piano, as aulas na faculdade e os estudos em casa se tornavam um tormento diário. Os pais de Emily Buster eram suas mãos, seus pés, sua cabeça e sua mente. Tudo era seguido conforme eles ditavam, como ditavam e quando ditavam. Sem reclamações, advertências ou contradições por parte da filha.
O contrário acontecia a Norman Buster.
Ivy e Alfred Buster já haviam desistido de tornar o filho mais velho, Norman Buster, um membro da família responsável e competente. Norman tinha um gênio duro e difícil de lidar, procurava todos os métodos para seguir influências de amigos. Emily caminhou um pouco pelo jardim quando avistou Norman invadir o espaço com um mercedes preto; junto a ele um BMW prata e uma caminhonete na cor vermelha. De todos os veículos saíram no mínimo três jovens com roupas de couro, encapuzados e botas pretas com espinhos. Alguns tinham um cigarro atrás da orelha, outros os tomavam entre os dedos.
- Mana! - gritou Norman Buster para Emily, se aproximando e a beijando no alto da cabeça. - Desculpe não ter ficado para sua aula de piano. Você sabe... nunca gostei de eventos em família.
- Bom para você, Norman. Foi um tédio! - Emily se distanciou, empurrando o irmão que estava na sua frente e se dirigindo à rua.
- Vê se não me arruma problemas! - gritou Norman para Emily, e todos os amigos riram, entrando todos na garagem.
Emily revirou os olhos ao cruzar o portão do jardim.
Andy Creegan era colega de turma de Emily no curso de medicina na Universidade Dhamphill. Era uma linda garota de vinte anos, com os olhos repuxados. Sua mãe era japonesa e o pai alemão. Andy tinha um beleza exuberante com a mistura de raças. A imagem de Emily ali de pé a sua porta a fez prever o que havia acontecido:
- Se eu a conheço bem diria que o fator A de você estar aqui é porque seus pais são incisivos, artificiais e chatos...
- Posso incluir meu irmão nessa também? - perguntou Emily.
Andy sorriu e Emily entrou. Estar ali, na residência de Andy, a proporcionava um conforto que ela jamais teria na mansão Buster. Os pais a tiravam todo seu conforto espiritual, mental e tentavam lapidar suas vontades despejando em Emily um dever que por vezes ela não se sentia satisfeita. Lembrou de quando ela e Andy passearam na primavera durante as festas na cidade e de como se divertiram. Foram para as ruas Everest e North Rill, aproveitar o campeonato de tiros a distância; Foram ao parque local onde um palhaço havia passado mal e uma criança havia se perdido. Por fim visitaram o viaduto Grand Mary, que estava enfeitado com luzes cromáticas e fitas elegantes. Cartas eram deixadas presas aos postes nas comemorações.
Era para lá que Andy e Emily estavam seguindo no momento.
Tudo que Emily Buster queria ser estava ali. Na sua liberdade. Não numa liberdade social, porém numa liberdade de si mesma. Gostava de sair e sentir-se dona do próprio nariz, não tendo que ouvir certos sermões da mãe ou encarar o olhar petrificante do pai que parecia dizer: "Não estou nem aí para o que ela faça, contanto que se torne o que eu quero. Estou pagando uma fortuna para isso e quero resultados." e com isso ele se referia ao curso de medicina na Dhamphill. Enquanto caminhava pela passarela do viaduto observou pessoas em volta de uma estátua. Até então Emily achou curioso o fato de estarem todos observando, até que ela começou a se mover. Era um rapaz. Ele vestia um belo paletó acinzentado, toda a pele coberta por um cinza mais claro e um buquê de rosas nas mãos. As pessoas jogavam moedas no chapéu ao chão.
- Que magnífico! - disse, e Andy sorriu ao seu lado.
Num instante o "rapaz-estátua" sorria e fazia poucos movimentos, no outro retomava sua estática e não se movia nem um pouco. Numa questão de segundos, enquanto um homem robusto e uma mulher de casaco de pele se afastavam, um outro homem passou tão veloz quanto um piscar de olhos a frente do rapaz-estátua. Emily notou, assim como Andy, o homem fugindo em sua direção com o chapéu de moedas nas mãos. Emily encarou o ladrão vindo e notou no rosto do rapaz-estátua que ele estava ainda estático. Ele não poderia se descaracterizar. Quase num excesso de fúria Emily saltou sobre o homem que corria. Ambos caíram e as moedas se espalharam por todo o viaduto. "Emily!" ela ouvira o grito de Andy, mas já era tarde demais. Ela poderia ter feito a maior loucura, mas não ligava. Se contorceu de dor, enquanto o homem se erguia do chão e fugia dali na mesma rapidez.
Emily abriu os olhos, achando que encararia o rosto amedrontado de Andy acima dela. Mas tudo que ela viu foi o rosto de uma estátua bem perto dela perguntando: "Você está bem?".
Enquanto isso as moedas espalhadas por todo seu redor era um mero detalhe.
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O Amor É Cinza
RomansaJack Field é um jovem de vinte anos que é reservado à família e não pensa duas vezes quando quer ajudá-la em qualquer coisa. O emprego de artista de rua não está rendendo, porém a persistência de que um dia tudo será melhor o torna focado em seus ob...