Na esquina entre o Felder e a Nemence, estava um casal a quem todos olhava. Um simpático sulista e uma bela nortista, louvando os seus amores sobre a calçada. Clarice Field olhou de viés para o namorado, e tudo que se ouviu foi o chiar de seus beijos, a forma harmoniosa que ambos se conectavam. Em determinado momento pareceu que ele a ergueria nos braços e a giraria em meio a multidão aglomerada à porta do The Halber, a loja de vasos do senhor Meldt.
- Estou feliz que vamos nos casar - os lábios dela puderam mexer entre um beijo e outro.
- Estou ainda mais feliz, pra falar a verdade! - disse Scott Wilson.
Scott vinha de uma família altamente religiosa. O avô tinha sido padre na igreja Católica das Graças Divinas, e sua mãe, Samantha Wilson, era tão devota quanto ele nesse aspecto. Scott crescera em meio a cultos aos domingos, e durante a semana as missas na igreja eram fundamentais e Samantha fazia questão que o filho frequentasse. Scott tinha tomado o posto de coroinha na Graças Divinas, e aprendeu sobre conceitos de fé no período em que esteve imerso nos trabalhos da igreja. Seu companheiro de trabalhos, Benjamin Bucker, entrara para a igreja por causa dos pais, que por morarem em Benston, tinham um contato maior com drogas. Benjamin conseguira seguir um caminho diferente.
Clarice seguiu com Scott pelas ruas de Maspen Row, contornando a Praça de Anjos, situada à margem esquerda do rio Voyardini. Havia alguns dias que ela pensava na possibilidade de abandonar o trabalho no Viaduto Grand Mary, seguir sua vida com Scott e ter um outro emprego.
- Você pode vir trabalhar comigo. - sugeriu Scott. - Talvez eu converse com Victor e ele tenha algo para você!
Ela preferiu esperar, pensar com mais calma sobre o assunto. Havia muitos anos que trabalhava com a família e abandonar isso de uma hora para outra era difícil. Clarice era linda, tinha uma aparência formidável, seguido de seus traços de bondade e generosidade. O casamento era uma ocasião especial, que após alguns meses se conhecendo melhor, eles preferiram aderir. Um amava ao outro e não tinha forma mais especial de demonstrar isso, num altar, com convidados e os votos. Clarice não tinha contado a notícia aos pais, esperou o momento certo para fazer isso. Ela temeu que pudessem não aceitar, mas confiou na natureza deles e sabia que eles iam entender, que compreenderiam o amor da filha e de Scott como compreendiam seu próprio amor. E quanto a Jack, seu querido irmão, Clarice poderia ter um apoio relutante. Ele com certeza aprovaria o casamento caso isso a fizesse feliz, mas não aceitaria a nova vida que ela levaria, longe dali, de tudo e de todos, longe do Grand Mary, onde sempre acompanhou os passos do irmão.
Ela sabia que Jack estava apaixonado por Emily Buster, e que a mãe da garota era capaz de qualquer coisa para separá-lo da filha. Ficou pensando se realmente valia a pena o irmão correr atrás de alguém que ela sabia que o fazia feliz, mas que havia uma certa trovoada em meio à chuva fina. A conclusão acabou sendo mais óbvia do que pensou.
Os passeios noturnos pela Enerval tinham ganhado mais brilho depois que conhecera Scott. Agora o passeio era a dois, o momento não era mais silencioso como há seis meses, não evidenciava o processo de solidão que por vezes a invadia como uma tonelada de sentimentos inválidos. Agora sua solidão era um espaço preenchido pelo amor a Scott, e seus passeios noturnos pela Enerval ficavam pendurados em sua mente, usados nos seus sonhos durante a noite.
A mãe tecia de leve uma blusa para alguém chamada Lindsay RavensBordy. Seus dedos entrelaçados a um carretel, mostrava sua habilidade com os linhos, a lã bordada em vermelho-prata e o restante das roupas, uma sobre a outra, tinha um padrão de cores que às vezes parecia a Clarice que eram feitas sob demanda para uma escola de freiras, num preto e branco combinado, ou para um colégio militar com faixas em verde-musgo e verde-claro, sobressaltando os tons de preto nas mangas e golas. O pai era um bom cozinheiro, então preparava um molho de tomate com folha de agrião e tempero caseiro. Havia dois dias que não seguia os pais até ao viaduto, pintava-se com o cinza da estátua-violinista e tomava posição na plataforma, recebendo o dinheiro para ajudar nas despesas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Amor É Cinza
RomanceJack Field é um jovem de vinte anos que é reservado à família e não pensa duas vezes quando quer ajudá-la em qualquer coisa. O emprego de artista de rua não está rendendo, porém a persistência de que um dia tudo será melhor o torna focado em seus ob...