43.Jack

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       Cada passo era um mergulho em um grande abismo, dessa vez sem rio para apará-lo lá embaixo. Não trocaram uma palavra desde que saíram do veículo. Emily parecia ainda muito transtornada com tudo que tinha acontecido, principalmente o fato de sua vida ruir em desgraças pelas mãos de alguém que conheceu a vida toda. 

- Ele é um monstro! - quando disse aquilo, Jack tomou por significado o episódio com o proprietário do Nervana's, mas parecia que era tudo mais profundo e complexo. - Roliço... Andy... ele está assassinando inocentes. Por minha causa, Jack! Por minha causa!

Emily tremia, os dedos descontrolados levados ao rosto, enquanto as lágrimas dolorosas lhe desciam a face. Jack esperou que um abraço a reconfortasse, a tirasse do martírio e da sensação inverossímil de que tinha culpa no comportamento impensado de Norman.

- Meu Deus! Oh, Deus... ninguém pode morrer mais por minha causa! Roliço... ele nada tinha com tudo isso! Só queria... queria nos proteger e foi... - atingiu o ápice de culpa e caiu de joelhos no beco. Jack sentou-se ao chão e a embalou num abraço profundamente conformador, compactuando da mesma dor que ela sentia. - Aquele sangue! Aquele tiro! Que coisa horrível... que horrível, Jack! Sinto-me culpada, culpada, culpada... nada disso poderia ter acontecido! Eu tinha um plano... falhei, falhei...

- Plano? - Jack sussurrou ao ouvido dela, enquanto ela soluçava, aos prantos. - Do que está falando, exatamente?

Ela se acalmou um pouco, estancou o choro e se recostou na parede, ainda sentada ao chão como ele estava. O beco era apertado e escuro, qualquer rato que passasse por ali não seria mera coincidência.

- Brandon... eu planejei algo com ele! - ela mantinha os olhos na parede oposta, estáticos, úmidos e vermelhos. - O piano. O entregador... tudo!

- Desculpe, Emi... ainda não entendi...

- O piano era um bom esconderijo! Foi uma desculpa para que eu escondesse uma arma. Eu soube, escutando de um hóspede quando chegamos lá, que em decorrência de algumas mortes no passado naquele hotel, Roliço tomava muito cuidado com porte de armas. Nenhum dos inquilinos era passado despercebido. Ele sempre averiguava cada quarto quando notava algo de estranho. Por isso acompanhou o entregador quando ele entregou o piano no nosso quarto. Então mandei que Brandon comprasse o piano, adquirisse uma arma com um vendedor particular e o mandasse entregar no endereço. Foi o que fez. - Emily tinha naturalidade na voz enquanto dizia aquilo.

- Você... queria se defender caso Norman aparecesse? - perguntou Jack.

- Exato. Eu não podia arriscar, então tive que apelar para a criatividade. - respondeu Emily, deixando o choro se esvair.

- Acho que não é bem criatividade escolher algo tão grande como um piano de esconderijo!

Diante do que Jack tinha dito Emily deu um risinho, o encarando novamente:

- Eu sei, eu sei... mas tive que pensar em algo. Mas nada deu certo! Talvez se estivéssemos no quarto, Norman de alguma forma subisse e eu...

- Atiraria nele? - deduziu Jack, tomando a mão dela e apertando de leve.

Diante de tudo ele entendeu quando ela o fitou e respondeu com convicção:

- Ele não pensou duas vezes quando matou Andy. Nem quando covardemente atirou em Roliço. - seus olhos embarcados numa vermelhidão profunda. - Eu também não pensaria se o visse na minha frente.


* * *

       Jack ainda não tinha decidido para onde iam. Se pegou pensando nos biscoitos que comprara no jovem do outro lado da rua, que acabou esquecendo no chão do hall do Nervana's às pressas. Eles agora estavam sozinhos (mais do que antes) e tinham que pensar em algo. Emily tinha novamente tentado fazer uma ligação para Brandon de um telefone público. Então Jack rezou para que desse certo.

- Meu pai. - num segundo Jack ouviu a voz dela, que pareceu distante demais. - Ele estava realmente tentando me convencer de que tinha mudado no dia do casamento. Ele não mudaria. Não daquela forma tão repentina, tão drástica... tenho certeza, infelizmente, que ele sabe que Norman está nessa cidade.

- Acha mesmo isso? - Jack estava de pé, recostado na parede de tijolos quente.

- De que outro jeito Norman chegaria até aqui? Poderíamos estar em qualquer lugar! Mesmo que Norman tenha aquela trupe dele, não acho que conseguiriam tal feito. Papai não! Esse sim tem capangas e eu nunca duvidei disso! Além de capangas, ele tem contatos... o que beneficiou de alguma forma Norman para que pudesse saber que estávamos em Anchester.

O silêncio perdurou por mais um tempo antes de Jack perguntar:

- Então... não houve casamento? - após vários dias aquela pergunta tinha surgido de maneira estranha, o que fez Emily ficar receosa.

- Não. - ela não tinha notado o breve sorriso que ele pôs nos lábios. - William não apareceu e pensando bem acho que fez bem não ter... - ela o encarou, enquanto ele abria ainda mais o sorriso, de maneira que soasse caçoado. - Do que está rindo, exatamente?

- Nada. Talvez você quisesse saber onde anda seu noivo!

Os olhos de Emily pularam da órbitas, a boca se abrindo e o queixo caindo até a altura do peito.

- Jack... não me diga que o desaparecimento de Will tem dedo seu!

A forma como ele a olhou revelou até mais do que um simples "sim".

- Agora eu entendo seu mirabolante plano! E quer saber... acho que ele mereceu!

- Acho que sim. Terency vai cuidar muito bem dele!

- Terency?

- Sim, ele mesmo. A nova morada de William Lambert é nos fundos da oficina de Terency, e quer saber? Acho que é um lugar muito limpo para gente da categoria dele! Lá não cabe caráter falso ou ego inflado. Ele deve estar aproveitando a estadia.

Jack inclinou-se e beijou Emily até os fantasmas estarem totalmente longe, bem longe.


* * *

- Você tem que fazer isso! - insistiu Jack.

A conversa durava mais ou menos vinte minutos até que Emily aceitasse pensar sobre.

- Eu não posso arriscar, Jack. Não posso arriscar a ter outra pessoa morta por minha causa.

- Ele não terá mais como fazer isso porque estará na cadeia, Emily. Pense nisso! - as palavras dele eram diretas e persuasivas, assim como seu olhar suplicante. - Só você pode fazer isso! Muitos testemunharam a execução de Roliço à luz do dia, mas só você pode testemunhar sobre a morte de Andy! O caso ainda está em andamento e nada apontará para o "filho" do grande empresário Alfred Buster, a não ser que você o faça. Dê o seu depoimento e acabe com isso!

- Eu não posso! - Emily estava muito confusa. Levantou e andou de um lado a outro. - Você não conhece Norman como eu e nem viu de perto o que ele fez com uma pessoa que eu amava, como Andy. Ele é um monstro, Jack! E nada do que eu fizer vai diminuir o mal que há nele! Eu posso ir àquela delegacia e denunciá-lo, mas tenho certeza que há um daqueles amigos dele de serviço para fazer o trabalho sujo caso ele seja pego. Ele apontou a arma para seu rosto no hall, Jack! Ele ia atirar, ia matá-lo se Roliço não interviesse! Eu não quero perder você... eu não quero!

- Tudo bem, tudo bem. - ele a reconfortou, tomando seu rosto frente ao dele e a tranquilizando com palavras de encorajamento: - Escuta, com ele preso todos que o estão seguindo estarão desestabilizados. Nada acontecerá a mim, confie! Podemos enfrentar isso juntos! Por favor, confie em mim!

Ela confiou.

O Amor É CinzaOnde histórias criam vida. Descubra agora