Eles deixaram a delegacia pela noite.
O inquérito sobre Andy Creegan corria com outro investigador, e o delegado Washes precisou colocá-lo a parte do depoimento de Emily. Quanto a Roliço o delegado Washes fora bem compreensivo:
- Seis pessoas o denunciaram pela manhã, logo após o ocorrido. Há homens meus à procura, não se preocupe. - o delegado era uma figura um tanto quanto aprazível de entender problemas criminais ou depoimentos com nexo. Era muito magro e tinha um bigode fino acima do lábio.
Emily seguiu com Jack para fora, acompanhados de um policial alto e com aparência de segurança particular.
- É para sua proteção, senhores. - disse o delegado quando apresentou o policial Camberjan.
A viatura estava a alguns metros deles, estacionada no pátio da delegacia, quando Emily ouviu uma voz que a tranquilizou ainda mais:
- Tudo bem, eles estão comigo. - Brandon recebeu um abraço reconfortante de Emily. - Eu não acredito que Norman teve coragem de fazer esse tipo de coisa! Deus! Não acredito...
Emily sentiu o nervosismo de Brandon perto do policial Camberjan. Ele tinha participado de um caso com arma de fogo e o fato de estar na presença de um policial e em frente a uma delegacia o provava suficientemente que ele poderia ser pego.
- Senhores... comigo, por gentileza! - o policial Camberjan insistiu, indicando a viatura.
- Oh, tudo bem, tudo bem Brandon. Você pode seguir na frente que o acompanhamos. - ordenou Emily, que teve um sorriso de resposta dele.
Ela e Jack entraram na viatura e o policial seguiu o carro de Brandon pela estrada principal.
* * *
- Podem ficar o tempo que precisarem. - disse Brandon, indicando a nova casa.
O policial Camberjan havia ido embora há pouco, após checar o perímetro para ver se tudo estava seguro.
- Aqui não precisarão se preocupar em pagar. Quando acabar o isolamento do hotel eu mesmo vou até lá e trago o piano, Emi. - ele falava com um tom confidencial, olhando de soslaio para Jack.
Emily riu e revelou:
- Oh, tudo bem, Brand. Jack sabe sobre o plano. E sim, acho uma ótima ideia recuperar o piano. A arma não pode ficar lá, seria comprometedor.
- Ah, sim. Seria. - concordou Brandon.
Emily não conhecia os dotes culinários de Brandon. A casa moderna que conseguiu era bem acomodada, com cadeiras e poltronas azuis, uma salinha de jantar básica e um segundo andar. Brandon os serviu peixe cozinhado com batatas e cenoura, acompanhado de salada de legumes frescos e suco de ameixa.
Cearam e se dirigiram ao quarto. O vento lá fora estava calmo e carregava o pouco número de folhas para longe da varanda. Os galhos retorciam nas árvores como dedos epiléticos. A noite tinha mergulhado numa espécie de ardor, que para Emily servia como um tipo de desgaste emocional. Ela ainda não tinha esquecido o que lhe passara pela manhã e o quão difícil tinha sido aceitar aquilo. Roliço não tinha defendido o hotel, tampouco um hóspede. Roliço tinha defendido ela. Emily Buster. Uma pessoa que conhecia há pouco menos de uma semana e que foi suficiente para que ele arriscasse sua vida para defendê-la.
Ela custou a dormir. Sabia que os primeiros minutos seriam dramáticos. O sono se afastaria para os fantasmas ganharem espaço. Os últimos fantasmas que enfrentara foram da morte de Andy, e ela não quis que acontecesse o mesmo como os de Roliço. Ela olhou para o lado e Jack dormia profundamente. Seus olhos o fitaram durante longos minutos, a respiração dele, o peito subindo e descendo. Ela não conseguiria dormir da mesma forma naquela noite.
Levantou-se, foi até a janela e examinou de longe os galhos balançarem com os ventos cada vez mais fortes agora. Se pegou pensando se Norman teria coragem de fazer mais algum mal em relação a ela, se ele seria capaz de mais uma vez vitimizar alguém por tentar defendê-la.
Os galhos mexiam e remexiam...
Seus olhos começaram a pesar, mas ela não tinha coragem de deitar para dormir. Ela não conseguiria. O coração apertado a fazia ter certa agonia a esmagar-lhe o peito. Queria, por tudo, ir a um lugar onde ninguém mais pudesse encontrá-la e estragar sua vida. Junto a Jack. Junto a quem realmente ama.
Os galhos torciam e retorciam...
Sentia sede. Sentia medo. Há tempos ela havia desistido da velha Emily. Estava certa de nunca retornar a Damphill para terminar medicina. Mesmo agora, após o acontecimento com Andy. Ela iria frequentar todas as aulas com a certeza de que não a teria novamente ali, na mesma sala, sob o mesmo teto e tendo sonhos que um dia viriam a se concretizar. Andy Creegan era espetacular, e Emily nunca teve dúvidas disso.
Os galhos iam e vinham...
Por vezes se pegava imaginando o quanto sua vida tinha sido injusta, mesmo com toda a mordomia. "Você não precisa de mais nada, Emily. Todos conhecem os Buster na cidade. Sua vida é perfeitamente confortável." dissera-lhe uma vez Allan Dexter, um dos estudantes da Damphill. Ela o olhou de relance, dando uma risadinha e perguntando: "Já ouviu falar sobre os Médici, Dexter?". Após o garoto negar, Emily mandou que ele pesquisasse a história da família citada. Paul e Sarah Médici eram um casal bilionário do século XIX, que saíam em jornais, revistas e folhetins como a família mais bem estruturada de seu tempo. Tinham seis filhos, quatro meninas e dois meninos. Um dia depois do natal de 1891, quando tiraram uma bela foto (todos sorrindo) para um jornal local, a cidade acordou com uma trágica notícia. A mansão Médici tinha sido incendiada com toda a família durante a madrugada. Paul, Sarah e todos os filhos morreram naquele dia. Ninguém descobriu o motivo, mas investigações provaram a participação do casal na tragédia. Os pais mataram os próprios filhos e tiraram a própria vida naquele incêndio.
Os galhos sacudiam...
Após Allan Dexter saber de toda a história, Emily o disse: "Não existe perfeição no dinheiro ou qualquer tipo de luxo, Dexter. Há certa distinção. Os Médici poderiam ser a família mais feliz do mundo, se seguir seu raciocínio de perfeição. Mas acabou acontecendo aquilo! Uma tragédia...". O jovem não a importunou mais sobre o assunto.
Os galhos quebraram com uma rajada de vento...
Um assobio veio lá de baixo, mais exatamente dos terrenos da casa. Emily tinha os olhos pesados e fixos no tronco da árvore e sentiu um arrepio quando o viu.
Meu Deus... não... não...
Norman saiu de trás do tronco e encarava Emily com olhos negros e malignos. Ela recuou, escondeu-se abaixo da janela e tapou a boca. "Ele nos descobriu... ele vem nos matar... meu Deus, por favor, não..."
Seus dedos apalparam a parede e ela se ergueu novamente. Seus olhos surgindo pela vidraça e encarando novamente a árvore lá embaixo. Dessa vez ela não via. Norman não estava ali. Seria mesmo ele ali? Seria alucinação? Verdade?
Contudo o que viu foi o galho fino quebrado ao chão, que em poucos segundos uma ventania levou.
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O Amor É Cinza
RomanceJack Field é um jovem de vinte anos que é reservado à família e não pensa duas vezes quando quer ajudá-la em qualquer coisa. O emprego de artista de rua não está rendendo, porém a persistência de que um dia tudo será melhor o torna focado em seus ob...