- Ele é realmente especial - disse Jack, em meio a um suspiro gratificante. - Seria ignorante de minha parte perguntar como ele... você sabe!
Emily deu uma risadinha, entendendo perfeitamente onde ele queria chegar.
- Muitas coisas Simon aprendeu sozinho, mesmo que ele seja modesto e fale que maior parte do que ele sabe veio de pessoas que o ajudaram, e isso ele exalta a mim e a minha família. - Emily era a pessoa mais doce e gentil que alguém poderia conhecer. Bastava destrinchar sua essência e confrontar sua verdadeira natureza. Jack conhecia agora a virtude por trás da garota que pulara a frente de um bandido para impedi-lo de levar as moedas.
- E você não se orgulha disso? - perguntou.
- Orgulhar-me? - ela o encarou como se ele a tivesse acusando de roubo. - Não devia orgulhar-me disso. Simon entrou na minha vida e eu agradeço a Deus por isso! Sabe qual o problema do ser humano, Jack? Eles simplesmente acham que podemos escolher ajudar alguém, que é um fator opcional quando deveria ser uma obrigação. No caso de Simon eu não poderia optar simplesmente por não ajudá-lo. Não de acordo com que eu sei, como me formei. Isso é algo que aprendemos na medicina, no seu lado mais sentimentalista, se é que esse ramo é categorizado na medicina.
- Médica? - Jack se surpreendeu quando Emily disse aquilo. De alguma forma ele ficou surpreso não só com aquilo, mas consigo mesmo por pensar que Emily não fosse capaz de seguir um ramo tão complexo. - Interessante...
- Ainda não... - ela respondeu. - Meus pais sempre nutriram uma admiração pela Universidade de Dhamphill e me obrigaram a cursar medicina lá. Bem, meu pai nutre um pouco mais para falar a verdade.
- A obrigaram? - Jack ficou espantado em saber daquilo. "Obrigar" era um termo muito forte que pudesse ser utilizado em uma conversa informal. Ele imaginou um pai e uma mãe, cada um deles tomando um braço da filha e a arrastando com força para uma universidade.
- Meu pai sempre foi muito firme quanto ao que pensava. Nunca negou que preferia me pôr para fora de casa do que não me ver como médica. - certo. Depois disso Jack sentiu um resquício de ódio saltar em seu peito. Estava beirando aos pais que ele imaginara um segundo atrás. - Mas não vamos falar dos meus pais agora... quanto aos seus, eles são adoráveis, Jack! Sinceramente... os adorei.
Sem nada para responder, Jack seguiu com Emily pelo estacionamento do outro lado do DUNIGAN. Jack não conhecia, mas de alguma forma um carro que acabara de dobrar a esquina e seguir para o restaurante de Simon o chamou a atenção. De lá saiu uma mulher que entrou no estabelecimento, elegante e com perfil de dama da sociedade parisiense.
- Mãe?
Jack ouviu a palavra sair da boca de Emily. Agora tudo se explicava.
Ele viu Emily arrancar dali antes que a mulher pudesse vê-los. Jack não queria perguntar nada, simplesmente queria ficar ali, em silêncio, esperando que Emily pudesse esclarecer o motivo de ter fugido dali, amedrontada e temendo que a mãe os visse. Mas de alguma forma aquilo o incomodou, então teve que perguntar:
- O que está acontecendo Emily? - perguntou, aflito. - Por que fugiu dali sem falar com sua mãe? E por que está correndo tão rápido?
A garota surpreendentemente o ignorou, o que Jack pensou nunca presenciar. Chegaram à casa de Jack mais rápido do que ele imaginou.
- Eu sinto muito por isso... - ela tentou se explicar. - Me desculpe... realmente eu não quis fazer isso.
- Tudo bem. - ele fez questão de aceitar suas desculpas, afinal o passeio tinha sido tão legal e ele havia se divertido, conhecido Simon e entrado pela primeira vez no DUNIGAN. O único ponto negativo tinha sido Emily ter discutido para pagar a conta. - Seus pais... você me contou como eles são. Eu entendo você.
Emily agradeceu com não mais que um simples sorriso, meigo e confortante. Entrou no carro e arrancou dali, seguindo pela estrada a oeste. Enquanto Jack ouvia o ronco do motor se distanciando, seus pais e sua irmã estavam atrás da cortina de cobria a janela, espiando pela fresta seu rosto pensativo.
Naquela noite o pote azul parecia mais cheio do que parecia. As moedas cintilavam no seu interior de forma mágica. As de menor valor reluziam um brilho neutro, fincando a luz na lateral do vidro, enquanto as de maior valor, luminosas como só as pratas eram, filtravam a luz das de menor valor e iluminavam o interior do pote. Para Jack pareceu ter mais, bem mais do que simples moedas naquele pote. Era como se houvesse uma esperança formidável crescendo, crescendo... criando braços e pernas metálicos. Ele lembrou que quando adentrou na sala de estar após deixar Emily ir, o pai estava lendo o jornal como sempre fazia, a mãe separava os tecidos costurados dos desfiados e a irmã assistia TV. Embora fizessem atividades rotineiras, que com certeza Jack sabia que praticavam todos os dias, tinha algo no comportamento de cada um que fez ele pensar que estavam disfarçando um possível ato secreto. O assobio avulso do pai segundos depois só reforçou essa ideia. Jack sorriu e seguiu para o quarto, sabendo que olhares estavam pousados em suas costas. Bastou fechar a porta para ouvir os sussurros lá embaixo. Então sorriu...
O resto do dia passou tão devagar quanto as gotas de chuva fraca que caíam lá fora. Emily estudava medicina e Jack começou a pensar sobre aquilo. Não no fato de ela ser boa demais para ele, mas no fato de ele ser algo menor comparado a ela. E esse pensamento surtiu efeito em sua cabeça como um tratamento de choque. De certa forma ele sabia que o comportamento de Emily no estacionamento do DUNIGAN tinha sido não só pela mãe, mas por ele. Ele era um fator crucial no que tinha acontecido. Os pais de Emily eram muito duros com ela e isso era apenas uma parte da história que ele sabia a respeito dela. Quantas outras coisas Emily sofria com escolhas nas mãos dos pais? E com isso surgiu o pensamento totalmente válido de que o problema não era Emily ser vista pela mãe ali, mas ser vista com ele ali. Jack tinha que levar a ideia a sério e ele sabia muito bem que se quisesse seguir em frente com a amizade com Emily tinha que enfrentar qualquer coisa. Mas tudo isso eram pensamentos e pensamentos. Sentiu como se estivesse conspirando contra si mesmo. Preferiu, então, relaxar e pensar em como fora maravilhoso seu dia com Emily. Fez isso, enquanto observava o brilho das moedas no pote apagar aos poucos.
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O Amor É Cinza
RomanceJack Field é um jovem de vinte anos que é reservado à família e não pensa duas vezes quando quer ajudá-la em qualquer coisa. O emprego de artista de rua não está rendendo, porém a persistência de que um dia tudo será melhor o torna focado em seus ob...