3.Jack

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O homem só não mede duas coisas na vida: a força contra o mal e a intensidade do olhar de uma mulher.

Durante tanto tempo com a família, buscando uma nova realidade e tentando encantar as pessoas, Jack sentiu a felicidade se esvaindo com o homem fugindo com o chapéu em mãos. As moedas. As poucas moedas que conseguira (a maioria delas de valor baixo) estavam sendo levadas.

Não devo ir.

São apenas moedas.

O que estas pessoas a minha frente pensarão? Uma estátua correndo? Antiprofissional? E as crianças, como elas reagiriam ao me ver saltando da minha plataforma e correr atrás de um bandido? Elas chorariam, se agarrariam às mães, e sentiriam medo... e eu não me perdoaria por isso. Quieto... quieto... não há nada demais...

Os pensamentos de Jack estavam borbulhando. Manteve a compostura, os dedos trêmulos apertando de leve o buquê e pareceu num rápido olhar que a flor em sua mão murchava, talvez a qualquer momento o vento a levasse dali rápido como o bandido levara o chapéu. Foi então que seus olhos seguiram furtivamente na direção que o homem correra e avistou o improvável.

Eu não acredito que ela vai fazer...

Antes de terminar o pensamento, enquanto o mundo se distanciava e as nuvens se expandiam, uma bela jovem saltou a frente do homem. Nesse momento não só os olhos de Jack Field se mexeram, mas o rosto virou, a boca entreabriu-se, sentiu os gritos abafados de mulheres ao redor dali, suspiros de espanto, passos apressados e uma incrível movimentação em torno do pandemônio. Quando se viu estava com os pés fora da plataforma, correndo em direção a garota, que se contorcia do chão. Seu joelho estava sangrando e Jack chegou a tempo de ver o bandido virar a esquina com a rua Bromer 14 e fugir. As moedas estavam todas espalhadas no chão. Brilhavam com a luz do sol refletindo no cobre;

- Você está bem? - foi a primeira coisa que passou pela cabeça dele, que ergueu de leve o joelho da jovem e uma gota de sangue pingou em seu polegar.

Ela abriu os olhos e havia uma cobertura delicada de um brilho angelical no olhar. Ela não respondeu. Tudo que ela fez foi ficar analisando Jack, cada pedaço de pele do rosto pintada num cinza fraco, sua expressão de preocupação e os suspiros nervosos que ele dava.

- Oh, Deus, Deus! Emily, por que fez isso? - uma garota ajoelhou ao lado da jovem garota loira e tremia, espantada. Tinha os olhos repuxados e os cabelos pretos num rabo de cavalo. - Você quer morrer? Talvez você prefira que seus pais não saibam disso!

- Está... tudo bem... Andy... - Jack observou ela dizendo. A jovem, de nome Emily, continuava a encará-lo, enquanto Jack sustentava o seu joelho longe do chão.

Ele sentiu necessidade de tomá-la nos braços e tirá-la do chão. Quando menos esperou ela já estava em seus braços. Ele temeu por deixá-la suja de cinza, mas preferiu acreditar que ela não estava nem aí pra isso. Ele não percebera, mas a garota de olhos puxados, havia juntado a maior parte das moedas e trazia o chapéu consigo, logo atrás deles.

        Jack pousou Emily no banco não muito longe da plataforma que usava. Emily não reclamara da dor nem um minuto, manteve-se firme e demonstrou ser dura na queda.

- Está tudo bem, Andy! Você não precisa parecer com a minha mãe! - reclamou Emily quando a amiga novamente teve uma crise de nervosismo.

      

A primeira pessoa familiar que Jack viu fora Clarice. Sua irmã estava logo ao lado, com as duas mãos em seu rosto, preocupada: "Está tudo bem, Jack?". Logo atrás surgiram seus pais. Michael Field vinha com a armadura reluzente e a lança em mãos, o rosto amedrontado, se postou logo à direita do filho. O primeiro abraço surgiu de Mandy Field, a mãe, que tocava o filho de maneira cautelosa como se quem tivesse pulado a frente do bandido fosse o próprio Jack, e não a jovem que sangrava sentada logo ali a frente.

- Você não precisava fazer isso! - resmungou Jack para Emily.

- Ele ia fugir com todo o dinheiro. - falou ela, a testa franzida de maneira cética. - Você devia me agradecer!

- Agradecer? - Jack estava visivelmente consternado e começou a ri de maneira irritante. - Se acontecesse algo a você quem se sentiria culpado nessa história seria eu. Nada tenho de agradecer.

- Talvez se não fosse tão orgulhoso, ninguém faria isso a você! Não o roubariam! - lançou Emily, intrigada com a forma de Jack agir.

- Notando bem, o orgulhoso aqui parece que não sou eu! As questões são mais complexas do que se pode imaginar, senhorita!

- Eu me arrisquei, salvei seu dinheiro, o que mais você quer? - Emily estava visivelmente furiosa, Andy tentando acalmá-la.

- A questão não é essa e a senhorita sabe muito bem! - Jack ignorou o pedido do pai para se acalmar. - Eu não aceito que mulher entre na frente de nenhum bandido para salvar minha pele!

- É desdenhosa a maneira que me chama de senhorita. Me trate como uma igual! - Emily sabia que agora estava entrando na questão pessoal e não social.

- O que eu posso fazer se sei distinguir senhoritas mesquinhas de pessoas como eu? - com isso a mãe o impediu que falasse qualquer coisa. Jack se afastou e tomou um ar.

Ele não compreendia porque agira daquela forma tão infantil, tão conflitante e deveras inapropriada. Emily havia entrado na frente de um bandido para salvar as moedas que ao final do dia seriam acrescentadas às economias no pote azul, e Jack estava falhando miseravelmente em reconhecer isso. Talvez fosse orgulhoso como ela dissera. O que acontecera? O que realmente sentiu quando agiu daquele jeito quando poderia ter sido gentil, agradecer ou retribuir? Agora não podia voltar atrás. Notou Emily se distanciando, apoiada ao ombro da amiga, o joelho ainda sangrando. Ele olhou para sua mão e na ponta do polegar a mancha de sangue estava seca. O sangue de Emily.

Algo invadiu seu peito como nunca antes acontecera. Era como se um rio encontrasse o mar que há tanto procurou para desaguar, como um velho caminhante que estivera na estrada há semanas sob um sol quente encontrasse uma sombra fresca, como um doloroso frio numa noite tempestuosa. Era a sensação de estar sendo elevado acima das nuvens, velejando por elas sem pudor. Nunca se arrependeu tão drasticamente por uma coisa que já fizera. Aquele momento o mostrava uma verdade. Notou que agira daquela forma não para zelar por sua integridade, mas sim como o velho caminhante se aquece quando encontra uma sombra, Jack pôde sentir a mesma coisa.

O Amor É CinzaOnde histórias criam vida. Descubra agora