26.Jack

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Não era uma especialidade de Mandy Field fazer bolos. Principalmente os de morango. Todas as vezes tinha que substituir a forma, refazer a calda e comprar mais uma dúzia de morangos para o recheio. Não tinha chances que o bolo obtivesse sucesso sem pelo menos duas tentativas frustradas.

- Você tem que esperar por cinco minutos a calda derreter... - aconselhou Michael Field, o marido, à beira do fogão. - Quando escurecer tente pôr um pouco mais de açúcar, deixe que borbulhe. Passe a colher nas laterais da panela... isso! Tente não deixá-la quente demais.

Com isso a mulher se sentia mais autoconfiante. Os testes culinários sempre terminavam com um "Obrigado, meu bem" da parte dela e um "Confio em você, querida" da parte dele.

Num domingo, por volta de quatro da tarde, enquanto os Field passavam as férias em uma fazenda, convidados pelos velhos amigos, o sr. e a sra. Bettler, as crianças puderam saborear o doce aroma do campo, fora do perímetro habitual de casa com a poeira vindo da estrada com os caminhões passando a toda hora. Um Jack de doze anos brincava nas parreiras, colhendo algumas uvas aqui e ali, reunindo-as em um saco de feno, possuindo habilidades de um simples amador na atividade, o que tinha concluído um senhor de oitenta anos dono das terras.

- Apenas as que forem boas para consumo, Clare. - disse Jack, se dirigindo à irmãzinha de dez anos que vinha logo atrás com um saco menor arrastado, preenchido até a metade por uvas. 

- Como vou saber disso? - questionou a menina.

- A cor. - explicou Jack. - Perceba que esta é verde claro e esta... - após ter tomado uma das suas na mão ele pegou uma do saco de Clarice. - É verde escura. Não está pronta para ser colhida. O mesmo vale para as vermelhas. Olhe só...

Ele retirou uma uva do saco e mostrou para a irmã. Ela analisou com os olhinhos brilhando e sorriu:

- Viu? Agora percebe?

- Sim. - respondeu ela, continuando a carregar o saco.

Clarice agachou-se e seguiu o olhar para dentro do saco, percebendo que colhera mais uvas estragadas do que boas. Então começou a tirar uma a uma, as estragadas, lá de dentro. 

Ao fim do dia, enquanto o pai preparava o bolo após uma tentativa mal sucedida da mãe, Jack e Clarice correram pelo campo quando alguns pássaros pousaram no milharal. Um deles espichou-se sobre um milho e bateu asas em direção a Jack, bicando-o no ombro e braço esquerdos. Antes que pudesse sentir a dor atingi-lo e o sangue começar a brotar do ferimento, Clarice chorou pelo irmão.

- Está tudo bem, Clare. Não foi nada. Está tudo certo. - Jack tentou acalmá-la, agachando-se a frente dela e mantendo o rosto choroso dela entre suas mãos.

O pássaro sobrevoou e foi embora, passando pelo milharal e partindo entre as nuvens.

- Clare, Clare, Clarice... - Jack tentava por tudo acalmá-la, dizer que estava tudo bem com ele e que o pássaro só estava brincando. No entanto o sangue começou a sair do ferimento e escorrer pelo braço de Jack, o que fez com que a menina se desesperasse.

Nada que ele pudesse fazer a fazia se acalmar. A irmã estava preocupada com ele? Talvez ela achasse que algo de mais grave lhe aconteceria? Ou mesmo ela tinha pavor de sangue?

Jack não sabia como agir naquela situação.

* * *

E agora, ali, tantos anos depois, ele estava perante uma situação que também não sabia como agir.

O papel que se encontrava entre suas mãos, seus olhos pousados nas letrinhas, tentando entender se era realmente aquilo que tinha acontecido.

"Conversarei com Norman e ele não vai mais fazer o que fez. Sou a única pessoa que pode resolver isso.

O Amor É CinzaOnde histórias criam vida. Descubra agora