22.Jack

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O rapaz grandalhão jazia na estrada de terra, desacordado.

Ele ainda não sabia como Terency tinha agido de forma tão rápida, com seu punho passando a frente do nariz dele e acertando o rapaz no maxilar. O som foi comparado ao de uma panqueca vindo ao chão.

- Ele vai ficar aqui? - perguntou Jack, indicando-o.

- Eu o deixaria aí mesmo, quem sabe minha mãe não o encontre quando vir amanhã e saiba o que pode acontecer se ela resolver me prender com um desconhecido forçando um casamento. - Emily estava visivelmente furiosa.

- Casamento? - perguntou Jack, atônito. - Então era verdade...

Emily franziu o cenho:

- Verdade? Do que está falando, exatamente?

- Sua mãe procurou-me há uma semana, em minha casa. Ela tentou me convencer de sair da cidade, morar na Suécia, me oferecendo uma boa universidade e boas propostas. Então disse que você se casaria. - Jack não deu rodeios, sabia que Emily tinha que ter conhecimento de toda a verdade.

- Eu poderia dizer que não poderia acreditar que ela fez isso, mas não posso. Agora sei, mais do que qualquer um, do que ela é capaz. - Emily se distanciou um pouco, tomando ar.

Minutos depois um carro veio pela estrada de terra. Era Brandon. Terency havia emprestado o aparelho celular para Emily fazer uma ligação. O motorista tinha passado por sua cabeça no primeiro segundo. Ela entrou no veículo com Jack e Terency seguiu caminho com a motocicleta. Haviam posto o jovem desacordado no gramado da casa que Emily dissera que estavam. Enquanto eles o carregavam, cada um numa extremidade, Emily seguia a frente mostrando-lhes o caminho.

- Sei que sua mãe ficará uma fera, Emily! - repreendeu o motorista. - Você sabe disso, não é?

- Talvez, Brandon, se soubesse que minha mãe estava me mantendo em cárcere privado, junto a um garoto que iria se casar comigo em alguns dias e me engravidar hoje você entenda melhor minha atitude! - disse Emily, e Jack ficou espantado com relação à gravidez.

O que tinha de irreal e sujo na aura da senhora Buster, tinha ficado ainda mais escuro com essa revelação. Talvez se Jack não ousasse ir até a mansão e ter a ajuda de Brandon, provavelmente Emily estaria sofrendo ainda mais nas mãos do rapaz.

- Me desculpe, Emily. Eu realmente... sinto-me envergonhado. Não imaginaria que a senhora Buster pudesse agir assim! - Brandon dirigia agora pela faixa leste de estrada, saindo da zona de terra, deixando para trás um rastro de poeira. - Eu poderia não fazer isso, mas, suponho que não queira que sua mãe note que fugiu, sim?

Emily meneou a cabeça, concordando. Jack, involuntariamente, fez o mesmo, vendo o rosto de Brandon pelo retrovisor.

- Então para onde quer ir, senhorita?

Jack viu-a pensando um instante e ele mesmo se voluntariou a responder a pergunta:

- Caso Emily não se incomode e você não diga nada a senhora Buster, ela pode ficar na minha casa. Lá é seguro e eu nunca deixaria que sua mãe entrasse para vasculhar cada canto de lá em sua busca, principalmente depois do que aconteceu. - propôs Jack.

Ele viu que a ideia a tinha agradado e Brandon concordava com uma expressão aprovadora. O motorista seguiu caminho para o destino e Jack pôde sentir novamente o toque dos lábios de Emily nos seus.

Os dois dias que se passaram, Emily já se sentia à vontade na casa de Jack. Ele, por sua vez, estava tão contente que poderia gritar ao mundo. Os seus pais a adoraram. Na manhã anterior, enquanto Jack tomava o café da manhã, Emily ajudava sua mãe a separar alguns tecidos. "Separe os verdes dos brancos, querida. Isso... você está indo bem!" dizia Mandy. "Obrigada, senhora Field." agradecia Emily. Enquanto as duas se distraíam na sala de estar Jack conversava com o pai na cozinha:

- Estou feliz com sua decisão filho. Depois do que aconteceu sei bem que essa jovem não queria estar na presença da mãe por um bom tempo. - dizia Michael, bagunçando de leve o cabelo do filho, o que não fazia desde que Jack tinha nove anos.

- Eu agradeço, pai. - ele sorriu, e a felicidade veio-lhe ao rosto num segundo.

Se por um lado estava contente com tudo o que acontecia em sua vida, por outro os sentimentos da irmã estavam destroçados. Ela não saía mais, exceto para o Grand Mary. O término com o namorado a tinha deixado num estupor fatídico, relutando contra seus próprios pensamentos. Jack tentou conversar com ela, mas com o quarto sempre trancado era difícil.

À noite, após o jantar, Jack seguiu para o quarto, enquanto Emily novamente ajudava sua mãe nos tecidos, mas agora ela bordava, enquanto Mandy pontilhava cada espaço que ela tinha de preencher. Ele, por sua vez, observou o pote com as economias sobre a cômoda.

Há quanto tempo não o observo? pensou Jack, lembrando do brilho que as moedas emitiam com a luz do quarto.

Alguns minutos depois Emily apareceu à sua porta, com seu sorriso costumeiro que deixava em Jack uma marca de contentamento.

- Seus pais... eu fico feliz por você ter tido eles em sua vida. São pessoas maravilhosas. - Emily sentou-se ao lado dele, à beira da cama.

- Eu tive sorte. - ele tomou cuidado para não comentar nada a respeito dos pais dela. - Eu realmente tive sorte em tê-los. 

- Ah, as moedas! - ela tinha notado o pote azul. - Tenho certeza que são economias do viaduto!

- Exato. - respondeu Jack. - Todos temos orgulho desse pote. Mas...

Ele tinha acabado de ter uma ideia. Levou-a ao banheiro, deu-a um outro pote com uma maquiagem cinza e a desafiou:

- Quero que seja uma estátua que eu possa aprovar. - ele riu ao ver a expressão aturdida no rosto dela.

- Mas como? - perguntou. - Eu não sei fazer isso!

- Eu posso ajudar. - a voz veio de trás, logo à porta. Era Clarice. Jack ficou feliz e aliviado por ela parecer bem. - Venha.

Emily olhou de relance para Jack e seguiu Clarice ao quarto dela. Não havia sensação melhor.

Quinze minutos foram suficientes para Jack ver um novo rosto, uma nova estátua-viva aparecer ali, a sua frente. Clarice estava com um sorriso muito mais aberto, enquanto Emily estava vestida com uma de suas roupas, toda a pele num cinza claro, uma coroa no alto do cabelo trançado e preenchido de prata. Porém Emily tinha ficado surpresa quando notou que ele também estava em seus trajes, do mesmo jeito de quando ela o viu pela primeira vez, no viaduto.

- Vocês estão deslumbrantes! - elogiou Clarice.

- Você está linda, senhorita! - ele fez os mesmos movimentos de quando está em apresentação, recolhendo uma flor do buquê e entregando-a a Emily.

- Agradeço sua palavras, bom cavalheiro. - Emily tentou imitar, num movimento suave, os traços e movimentos da estátua. Esticou o braço o recebeu a flor.

Clarice se retirou e Jack e Emily tiveram espaço para rirem.

- Eu não tenho habilidade nenhuma para isso! - observou Emily.

- Mais um pouco de prática... - disse Jack, se aproximando. - E você será uma bela estátua em todos os sentidos. E sentirei orgulho disso!

- Talvez isso não seja verdade... - ela o olhou de forma amável, tentando fazer muito mais do que só um contato visual firme.

- Mas talvez não seja uma mentira. - ele a puxou para um beijo, e agora seus lábios se tocavam sem pudor, sem qualquer constrangimento perante a alguém. Agora não havia Terency ou Brandon para testemunhar. Eles estavam a sós, em um ambiente só deles.

Tomaram a cama e Jack, mergulhado na boa sensação de um beijo, percebeu que o cinza se esvaía de ambos os lábios, e o rosado da pele ficava cada vez mais em evidência. A luz do quarto brilhou com intensidade, ele escutou um "obrigado" sussurrado dela, enquanto o brilho do cobre nas moedas se intensificava no pote.



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