Tio Klaus, o Doido

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      Com o tempo as coisas foram se ajustando no colégio, não que os insultos tivessem parado de todo, mas já não eram tantos quanto antes, ou talvez era eu que já não me importava mais com isso, acabei fazendo alguns colegas e não me escondia mais no banheiro ou saia correndo sempre que o sinal tocava, acabei por fim encontrando um esporte que conseguia praticar, natação, mesmo não sendo a melhor nadadora da turma, era muito melhor que vôlei ou basquete onde eu era uma negação completa.

     Talvez por natação ser um esporte mais independente, eu não dependia de ninguém para nadar ou completar um trajeto, coisa que em outros esportes coletivos não tinha como fazer, sempre gostei de depender só de mim, ter que esperar um passe, um arremesso de outra pessoa para concluir uma jogada era tão frustrante.

     Ainda na questão dos estudos, não tinha mudado de ideia sobre ser a melhor aluna da sala, isso era essencial para mim, um vicio, ou uma forma de chamar a atenção das pessoas. "Nossa como ela é inteligente", era a frase que eu mais gostava de ouvir.

    Meu pai já vinha me preparando psicologicamente para ser mais uma dos advogados da família, dar continuidade ao trabalho dele, como gostava de dizer. Mesmo nessa idade eu sabia que não queria isso, mas como dizer? Como fugir dessa sina?

    Foi exatamente nessa época que meu tio Klaus entrou na minha vida. Já tinha perdido a conta do tanto de conversas que eu ouvia escondida sobre ele.

     Ele havia se tornado um mito para mim, alguém de quem tanto se falava, eu imaginava ele de inúmeras maneiras, mas principalmente como alguém muito bravo e selvagem, afinal , não foi só uma vez que ouvi meus avós dizendo que ele era doido.

   Na minha concepção de criança, ele era tipo o Einstein com os cabelos desgrenhados, a roupa toda torta e um olhar de maníaco.

    Então ele voltou a morar no Brasil, tinha passado vários anos na Alemanha estudando, o que aumentava ainda mais o estereótipo que eu havia criado dele.

     Num desses almoços na casa dos meus avós, ele finalmente apareceu, e qual não foi minha surpresa quando notei que ele não tinha nada do que eu havia imaginado.

     Tio Klaus tinha uma vasta cabeleira loira bem penteada, era alto e esguio, as roupas eram esportivas e ao mesmo tempo elegantes e aquele olhar tranquilo dele, acho que seria capaz de cativar qualquer pessoa, fisicamente era o oposto do meu pai, que já estava bem gordinho e ficando calvo.

    Me apaixonei por ele na mesma hora, não da forma romântica de paixão, mas de admiração, eu queria ser como ele, queria que a família falasse de mim como falavam dele, nem sabia ao certo ainda se queria ser medica ou não, só sabia que ele sem duvida iria dai em diante influenciar a minha vida. Naquele época eu realmente sonhava que seria uma influencia boa, mas muitas vezes eu fui tola nas minhas suposições.

     Apesar de todo aquele ar de tranquilidade que emanava dele, mesmo sendo criança eu podia sentir seu desconforto ali  junto com as pessoas e vice versa, era bem complicado para eu entender o por que tanto drama, só por ele ser médico, mas futuramente quando conheci de verdade o tio Klaus, eu entendi, foi uma pena que não tivesse percebido isso mais cedo, foi mesmo uma pena ter me deixado levar pelos seus devaneios, mas ainda chego nessa parte.

    No momento tudo que eu queria era me aproximar do tio Klaus, saber da vida dele, perguntar sobre a Alemanha e sobre seu trabalho. Quando ele saiu da mesa e foi para longe fumar um cigarro, sai de fininho também e fiquei seguindo até ele parar. Achei que ele não tivesse me visto.

___ Ola Giulia. Você cresceu bastante desde a ultima vez que te vi.

     Aquilo me pegou de surpresa, não me lembrava de algum dia ter visto ele, nem em fotos, diziam que ele detestava fotos, mais uma coisa que tínhamos em comum.

___Oi tio, eu só estava andando por aqui.

___ Não, você estava me seguindo. Posso saber por que?

     Ele era bem direto, e eu respondi a única coisa que veio na minha mente aquela hora.

___Quero ser médica igual a você.

      Juro que não estava preparada para a risada alta que ele deu, aquilo me magoou profundamente. Como assim, eu abria meu coração e ele ria da minha cara? Fiquei bem puta e chateada, queria sair dali e nunca mais olhar naquela cara arrogante dele, mas então ele parou de rir e me chamou para perto, jogando o cigarro longe.

___ Vem cá Giulia, me desculpe, foi muito grosseiro da minha parte. Pode me perdoar?

      Fiz que sim com a cabeça, mas não estava muito afim de papo com ele, eu sabia ser uma criança birrenta quando queria.

___ O que seu pai acha disso?

___ Ainda não contei para ele.

___ Foi o que eu pensei, mas você ainda é muito nova para decidir isso. Ainda tem muito tempo para se decidir.

___ Quero ser médica, não vou mudar de ideia. Quero me conte como é seu trabalho.

___ Acho que você é nova demais para entender meu trabalho, mas posso te levar em alguns lugares, mostrar coisas que médicos fazem ou com o que eles lidam. Aceita?

      Meu coração deu um salto de felicidade, lá estava de volta o tio Klaus, meu herói de alguns minutos atrás, claro que eu queria, ia ser bem divertido, pelo menos era o que eu imaginava.

---Eu quero, tio.

___ Então, que tal na quarta feira depois da escola eu te levar até um museu? Vai ser o seu primeiro contato com a medicina. Aceita?

___ Aceito.

___Mas é  bom que seus pais não saibam, ou vou ter algumas dores de cabeça. Pode arrumar uma desculpa para sair sem que eles saibam?

___ Vai ser fácil, combinado. Eu saio as 13:00 do colégio.

___ Eu pego você então. Agora volta lá para dentro antes que alguém sinta sua falta.

      Eu estava radiante, tinha medo de não conseguir esconder a emoção, e se eu fosse uma pessoa tão esperta como imaginava, devia ter notado que quando alguém fala para fazer algo escondido dos pais, provavelmente boa coisa não vai ser, ainda mais se esse alguém e um adulto com fama de doido. Mas infelizmente eu não era tão esperta assim.





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